Vamos imaginar duas situações:
1. Um cidadão mora em uma casa isolada, em cidade ou em um bairro sem internet;
2. O Congresso brasileiro aprova a emenda que inscreve o acesso à internet como mais um direito social relacionado no artigo sexto da Constituição.
Esse cidadão pode, então, ir à Justiça e exigir que o Estado leve até sua casa uma linha de internet, a mais rápida disponível no mercado. Digamos que a região seja inacessível, circunstância que tornará a instalação da linha muitíssimo mais cara. Não tem importância.
Pela proposta de emenda constitucional apresentada pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), o Estado, sendo o responsável pelo atendimento daquele direito social, será também o provedor do serviço. Ou seja, a conta vai para o governo, quer dizer, para todos os demais cidadãos contribuintes.
Absurdo? Pois é assim mesmo que vai funcionar. O exemplo-limite permite exibir a essência da situação. Mas não precisamos ir até a casa isolada em região isolada.
O Brasil ainda hoje tem apenas 20% das residências com acesso à internet. (Não quer dizer que apenas 20% da população sejam internautas. Muitas pessoas se ligam na rede pelas lan houses, por exemplo, ou no trabalho. São cerca de 70 milhões de internautas).
De todo modo, a rede continua sendo limitada. Se aprovada a emenda, imediatamente torna-se dever do Estado prover o serviço para os outros 80% — simplesmente para cumprir a Constituição, que passaria a determinar o direito universal à Rede Mundial de Computadores, como está no texto do projeto.
Sem dúvida nenhuma, um país moderno precisa ter acesso amplo à internet de banda larga. Trata-se de um instrumento de progresso pessoal e nacional.
Mas, eis a questão correta, por que a maior parte das residências ainda não tem o acesso direto à internet? Porque isso é caro para essas famílias. Precisam pagar pelo computador, pelo modem e pela ligação, quando está disponível no bairro.
É caro nos dois sentidos. Pelo lado da oferta, como diriam os economistas, é pesado o investimento necessário para a instalação e a operação das redes de transmissão de sinais (fibras óticas, por exemplo). Para viabilizar o investimento, é preciso contar com a existência de um mercado amplo, ou seja, de um número de consumidores potenciais que “paguem” o investimento a um preço razoável e adequado à renda da região. Não adiantaria nada instalar a rede para cobrar
mil reais de mensalidade.
E daí vem o problema pelo lado do consumo: a renda de boa parte das famílias não alcança o preço. Uma questão de mercado.
Como tratar disso?
Uma maneira é a emenda constitucional. A pior maneira. Fazer do acesso à internet um direito constitucional não o torna gratuito. Apenas o torna exigível pelo cidadão e cria uma responsabilidade do Estado. Continua precisando de muito dinheiro para cumprir a Constituição. Como a capacidade de investimento do Estado não é infinita, ao contrário do que pensam os políticos, o direito constitucional simplesmente não é cumprido.
Fica como a saúde, um direito do cidadão, dever do Estado, como está na Constituição. Todo brasileiro deveria ser atendido de graça num hospital de nível internacional, com os melhores medicamentos disponíveis.
Vai lá pegar uma fila de um hospital público para ver como esse direito é cumprido. Por isso, 45 milhões de brasileiros se cuidam com os planos e seguros saúde privados. Assim como milhões de famílias colocam suas crianças em escolas particulares, porque o Estado não cumpre corretamente sua função de atender ao direito universal à educação.
O caso do direito à internet não quebra o país, mesmo porque o governo não vai conseguir mobilizar os recursos para gastar nisso. O que mudará? É que os políticos terão o pretexto para fazer com que o governo leve algumas redes para algumas regiões, aquelas mais interessantes eleitoralmente.
Além disso, as pessoas mais ricas, com acesso a bons escritórios de advocacia, poderão acionar o Estado para instalar fibra ótica gratuita, digamos, numa ilha de Angra dos Reis. Absurdo? Nada disso. Hoje, muitas pessoas acionam o governo e conseguem na Justiça tratamento em hospitais americanos ou a importação de remédios exclusivos, tudo por conta do governo, porque o direito à saúde é constitucional.
Em resumo, e como em outras situações, o direito constitucional à internet crias gastos por conta de todos e serviços para alguns.
E sabem outro jeito de atacar o problema?
Reduzindo os impostos e demais taxas e encargos, que representam cerca de metade da conta de telecomunicações. É isso mesmo, nossos telefones e nossa internet estão entre os mais caros do mundo. E a causa principal é justamente a carga de impostos — que os políticos enfiam na conta para ter dinheiro para distribuir as suas clientelas.
Eliminem os impostos (inclusive sobre computadores), ofereçam mais liberdade de operação às companhias privadas, abram a competição e incluam subsídios apenas para as famílias pobres – pronto, estará resolvido o problema.
Fonte: O Globo, 11/03/2011
Apenas mais uma oportunidade para gastar o dinheiro da população. Quer mostrar serviço? Universalizem de fato a educação básica é média, já está de bom tamanho.
Essa emenda é, na verdade, só uma babaquice de um político inútil. O que acontecerá é mais simples: ninguém dará uma pelota para o texto. A Constituição do Brasil é usada como papel higiênico na política. A situação do Brasil é tão ruim que o STF aceita de bom grado medidas inconstitucionais do governo, como a aprovação do mínimo por Decreto. Em um país com leis de verdade, isso seria inaceitável. Não tenho esperanças nesse país.