No Brasil as pessoas não confiam umas nas outras, e menos ainda nas instituições. A família e os amigos se salvam, e olhe lá. No governo, então, nem se fala. Deve ser por isso que somos os líderes mundiais na produção de advogados.
Em avaliações comparativas com outros países, nossos índices de “confiança social” (“capital cívico” ou, em inglês, “social trust”) são vergonhosamente baixos, e o surto recente de corrupção na política certamente piorou as coisas.
É verdade que o Judiciário funcionou, ainda que não homogeneamente, e qualquer pequena sensação de impunidade funciona como a janela com vidros quebrados, um mau exemplo que convida à transgressão.
Mas não se deve perder de vista que as raízes desse fenômeno de “desconfiança social” se estendem para bem longe no passado, alcançando a época da “nação mercantilista”, conforme a expressão de Jorge Caldeira.
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A história parece demonstrar que o Estado coletor de impostos, o maior de todos os rentistas, surge antes mesmo da Nação e vai sofrendo metamorfoses que apenas vão reforçando o conceito de que o Estado é um fim em si mesmo, ou uma cabeça cada vez maior que o corpo, uma criatura permanentemente preocupada em encontrar novas formas de atuar e crescer, como um parasita buscando ser maior que seu hospedeiro.
A hipertrofia do Estado não distingue classes, pois trata de multiplicar atribuições decorrentes de desconfiança, quando não a hostilidade, relativamente ao capital e também quanto ao trabalho.
Com relação à empresa, basta lembrar que somos o último colocado, em uma amostra de 190 países, quando se trata do tempo que uma empresa média gasta para cumprir suas obrigações tributárias, as principais e as acessórias.
É como se o Estado estivesse dedicado a punir os empreendedores, esses personagens que teimam em produzir riqueza, pois eles estariam permanentemente empenhados em ocultá-la do Fisco. O tratamento é duro. O cotidiano da pequena empresa, diante da fiscalização predial, tributária, ambiental ou sanitária, é o de quem não sabe se vai voltar para casa inteiro.
É como se o Estado estivesse ali, jamais para melhorar o ambiente de negócios e trabalhar pela comunidade, mas para oprimir empresas privadas que existem apenas para pagar impostos e obedecer.
Pelo lado do trabalho, a desconfiança se manifesta em outro formato. Parte-se da idealização de uma sociedade dividida (patrão/empregado) e cria-se o conceito de que a “parte menos favorecida” é incapaz de decidir sua própria vida e precisa ser tutelada.
Para garantir essas e outras milhares de regras, o Estado cria, então, estruturas gigantescas que tornam desnecessárias as combinações particulares, pois qualquer contrato de trabalho sempre poderá ser desfeito e refeito na Justiça do Trabalho (JT).
Para que serve o contrato e a confiança que as partes depositaram nesse instrumento? Não é claro que este sistema fomenta a desconfiança e incentiva a litigância, que, por sua vez, requer mais tribunais para resolver? Em vez disso, a regulação do trabalho não deveria promover o emprego e a produtividade, qualquer que fosse o caminho escolhido pelas partes?
Esses tribunais custaram R$ 17 bilhões em 2016 (0,27% do PIB), é mais do que toda a Justiça do Reino Unido precisa para funcionar. E pior: o que está em jogo é bem menos do que custa o mecanismo. No ano de 2008 tínhamos 16 milhões de ações na JT, cujo valor médio era cerca de R$ 15 mil. O custo total da própria JT, nesse ano, foi de R$ 9,1 bilhões, ou seja, cerca de R$ 57 mil por processo.
As legislações tributária e trabalhista parecem guiadas por um contrato social equivocado, fundado na desconfiança mútua, e que leva a um equilíbrio ruim, pelo qual os incentivos estão errados (a desconfiança produz transgressão, ambas se reforçando), e a única lógica discernível é a que leva ao crescimento do número de funcionários públicos.
Está mais do que na hora de mudar o paradigma.
Fonte: “O Globo”, 25/02/2018