Reforma política é fácil de falar e difícil de fazer. De fato, já há quem espere por ela nos primeiros noventa dias do próximo governo, como se bastasse apenas “vontade política”. Na sua primeira eleição. Lula prometeu faze-la em seis meses. Sem lógica. diz-se que ela é “a mãe das reformas”.
E verdade que poucos toleram as deformações do sistema eleitoral, que causam corrupção, abuso de poder e empulhação. Vota-se em um candidato a deputado e elege-se outro. Em São Paulo, os votos em um palhaço elegeram quatro parlamemtares federais.
Ocorre que a reforma é um desafio para lá de complexo. Salvo em revoluções, costuma acontecer de forma incremental. ao longo de décadas.
O sistema eleitoral britânico é um bom exemplo dessa dinâmica. Na sua origem estão as ideias iluministas que influenciaram a Revolução Gloriosa (1688-1689) e ampliaram as liberdades civis. Mesmo assim. seriam necessários dois séculos e muitas reformas para que o sistema começasse a adquirir sua feição atual.
O direito de voto era restrito à nobreza, ao clero e aos cidadãos abastados. Somente com as reformas de 1832, 1867 e 1885 o Reino Unido ganharia um sistema democrático e baseado em partidos nos quais se vota. O direito pleno de voto às mulheres somente chegaria em 1928.
A primeira reforma aboliu os “distritos podres” – que podiam ser “vendidos” por chefes políticos -, criou o registro de eleitores e estendeu o direito de voto aos proprietários de residências acima de certo valor. A segunda permitiu o voto a todos os proprietários. A terceira expandiu a franquia a todos os homens adultos.
Além das três grandes reformas, houve outros avanços institucionais, como o do voto secreto (1872). Por causa da elevada corrupção nas eleições de 1880, surgiu lei contra práticas corruptas e ilegais, que entre outras medidas proibiu o uso de cabos eleitorais remunerados (1883).
A expansão da imprensa teve comtribuição decisiva. Entre 1824 e 1884. o número de veículos de comunicação locais passou de 135 para l 225. O rápido crescimento da população e os avanços na educação elevaram a procura por jornais e o interesse pela informação.
A revolução nos transportes e nas comunicações – as novas estradas, a locomotiva a vapor e o telégrafo aumentou – a riqueza e ampliou a circulação de notícias. A imprensa assumiu papel ainda mais releva me e a opinião pública local passou a influenciar o Parlamento.
Cinco fatores explicam, pois, a evolução britânica: a universalização do voto. o combate à corrupção, a imprensa, a educação e o progresso tecnológico. Um sexto fator, que comentarei em outra ocasião, foi a criação, pelo primeiro-ministro William Gladstone (1809-1898), do serviço público baseado no mérito.
O gradualismo foi também a característica do sistema eleitoral em outros países ricos. Foi preciso tempo para viabilizar as reformas. Quase sempre, as mudanças ocorreram quando os parlamentares se sentiram mais confortáveis com as novas regras, influenciados por fortes lideranças ou pressionados pela sociedade.
No Brasil. O processo incremental trouxe as conquistas da democracia, do voto eletrônico e da Lei da Ficha Limpa. A legislação eleitoral passou por mudanças que aprimoraram a competição pelo voto, mas ainda serão necessária muitas e difíceis medidas para modernizá-la institucionalmente.
Medidas pontuais podem aperfeiçoar nossa prática democrática. Uma delas seria a redução dos cargos públicos suscetíveis de indicação política
A ausência de liderança política compatível com o ideal de mudanças profundas recomenda que se descarte um “pacote” ambicioso, que poderia bloquear o processo decisório. Medidas pontuais podem aperfeiçoar nossa prática democrática.
Uma dessas medidas seria a redução dos cargos públicos suscetíveis de indicação política, que são 25000 apenas no governo federal. No Reino Unido, são pouco mais de 100, incluídos os ministros. Nos Estados Unidos, cerca de 2000. Aqui, as nomeações abrem uma avenida para o aparelhamento, a corrupção e a piora do sistema político.
Outra medida seria tornar mandatórios o Orçamento e as liberações para emendas parlamentares. Como feitas hoje, essas liberações são instrumento de barganha política, o que piora a qualidade do sistema.
No próximo artigo. abordarei essas duas ideias e direi de sua importância política.
Fonte: Revista “Veja” – 20/10/10
A Gloriosa estabeleceu os cânones dos direitos civis, e por isso até hoje não necessitou de aperfeiçoamento. Desde então a Inglaterra nunca mais se submeteu a nenhum despotismo. A razão, trivial: a divisão de poderes, não a promiscuidade em que se tornou entre nós.
A rigor, quem elege os governantes da democracia só interessa ao aspirante do poder. E os partidos políticos, até hoje não sei ao que se deve sua intervenção, tal qual atravessadores. Os partidos se tornaram uma forma anônima de auferir investimentos de campanha, suborno antecipado consentido pela mais completa hipocrisia e ingenuidade.
Montesquieu advertira que o método democrático era inviável a países de grandes extensçoes territoriais, o que se prova certeiro. O EUA contornou o óbice dividido em vários estados, que embora cada vez menos autônomos, especialmente pela circulação da moeda única, ele conserva assim o poder duplamente dividido, cerceando a corrupção, e a opressão da massa sobre a minoria, fato que a França da Liberdade |gualdade e Fraternidade desprezou, e por isso pena por constituições de toda a índole.
Num país formado por estados, são estes que devem eleger quem vai presidi-los, e assim se inverte a posição centralizadora, autoritária e exclusiva da União, capaz de tornar a romaria de chapéu na mão ao Distrito Federal.
A reforma política urge, mas é preciso ter bem distintos os significados e as razões de Estado, União, estados, Nação e cidadão. De posse desses mais elementares conceitos, porém completamente desconhecidos, a urgente reforma se faz naturalmente, ainda que, com certeza, vá desagradar os arautos da República, do Positivismo, do Comtismo, do Getulismo, e ora do Lulismo, que sói nos assolar.