Passados quatro anos do início da crise financeira que derrubou o crescimento nos países ricos, persistem duas visões diferentes sobre como o mundo deve evoluir nos próximos anos. A primeira vê esta crise como semelhante às recessões por que o mundo passou nas oito décadas anteriores. Ainda que reconhecendo que desta vez o choque foi maior e mais difundido, os analistas que trabalham com essa visão continuam apostando na capacidade das autoridades de reverter esse quadro em um horizonte não muito longo. Basicamente, é nesse cenário que parece acreditar o mercado de ações.
Em contraposição a essa, há a visão de que os EUA e a Europa caminham para longo período de semiestagnação, semelhante àquele que o Japão atravessa há 20 anos. Nesse cenário, que já foi chamado de um “novo normal”, o mundo cresceria mais lentamente, o desemprego ficaria elevado e os ciclos econômicos mais curtos. Em curto prazo, esse quadro também seria marcado pela alta volatilidade, em função dos riscos associados às elevadas dívidas soberanas e à situação de alguns bancos, especialmente na Europa. Em médio prazo, somar-se-ia às dificuldades fiscais atuais a pressão resultante do envelhecimento populacional, com a consequente pressão sobre gastos com saúde e previdência. Os mercados de renda fixa parecem apostar mais nessa segunda visão.
A reação ao discurso do presidente do Banco Central americano (FED) na última sexta-feira mostrou que sobrevive firme a expectativa daqueles que acreditam que as autoridades darão uma resposta à altura, levando a uma aceleração do emprego que permitirá superar com mais facilidade o problema fiscal. As estatísticas econômicas divulgadas nos últimos meses, porém, dão força ao cenário de uma nova “normalidade”. Esta semana, o FMI reviu suas projeções para o crescimento do PIB em 2011 e 2012: nos EUA, de 2,5% para 1,6% e 2,7% para 2,0%; na Zona do Euro, de 2,0% para 1,9% e 1,7% para 1,4%, respectivamente.
Assim, ainda que seja cedo para dizer qual dessas duas visões prevalecerá, há uma chance razoável de que, em vez de retornar à normalidade anterior, o mundo desenvolvido permaneça no padrão atual de crescimento por mais alguns anos, havendo mesmo alguma chance de que esse “novo normal” perdure por uma década ou mais. O que esse panorama trará de consequências para os países emergentes e o Brasil em particular?
É importante começar por entender que algo diferente do que ocorria no passado, o fraco desempenho das economias ricas, se for crônico, mas não concentrado numa crise aguda, não causará necessariamente um desastre no resto do mundo, ainda que haja motivos para preocupação.
Em especial, o novo normal pode não ser de todo mal para as economias emergentes, por pelo menos dois motivos. Primeiro, ele facilitará a atração de investimentos de empresas bem capitalizadas nos EUA, Europa e Japão em busca de mercados mais dinâmicos do que os que encontrarão em casa. Segundo, esse cenário limitará a alta do preço das commodities e sua pressão sobre a inflação doméstica. Isso dará espaço para que os emergentes continuem crescendo bem e ganhando participação no PIB e na política mundial.
Por seu lado, esse novo normal também embute riscos importantes. Primeiro, o quadro político nos EUA e na Europa tende a ficar volátil, tendo em conta que, por razões demográficas e culturais, esses países não gozam da mesma coesão social que o Japão. O risco político elevado aumenta a chance de um desenlace de ruptura para a crise da dívida soberana, especialmente na Europa.
Segundo, a China vem fazendo frente à perda de dinamismo nos seus mercados de exportação, fomentando a demanda doméstica, mas isso tem se refletido mais na alta do investimento, que está em patamar difícil de sustentar, do que do consumo. Há uma chance razoável de que esse processo seja interrompido, por uma crise de inadimplência, por exemplo, e o crescimento do país caia de forma substantiva. Isso teria um impacto negativo para o Brasil — diretamente, devido à sua crescente dependência desse país; e indiretamente, pela desaceleração econômica que isso geraria em toda a América do Sul.
Por fim, há o risco de que nos adaptemos a esse novo normal permitindo a continuada valorização do real, o que ampliaria o estímulo já forte a setores como serviços e construção, à custa daqueles mais voltados para a produção de bens comercializáveis internacionalmente, exceção feita às commodities. A indústria, em especial, corre o risco de seguir no seu lento declínio.
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2011
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