Daron Acemoglu e James Robinson acabam de publicar um novo livro intitulado “Why Nations Fail? The Origins of Power, Prosperity, and Poverty”. O objetivo deste ambicioso estudo é demonstrar, através de uma análise histórica das conexões entre instituições políticas e econômicas, porque alguns países se desenvolvem e prosperam mas outros não. Ao usarem uma diversidade de exemplos históricos, eles demonstram, de forma convincente, que países são ricos ou pobres não como consequência de fatores geográficos, culturais, ou mesmo por limitações cognitivas dos governantes, mas pelo desenvolvimento de instituições políticas e econômicas capazes de incentivar atores políticos e agentes econômicos a um espiral virtuoso de cooperação.
Assim como em nossas vidas privadas, Acemoglu e Robinson enfatizam que a história das nações e as suas perspectivas de desenvolvimento também podem ser interpretadas a partir de eventos críticos, denominados ‘critical junctures’. Estas encruzilhadas podem ser entendidas como pontos de virada na história de um país. Ou seja, são eventos importantes, na maioria das vezes motivados por circunstâncias fortuitas ou acidentais, capazes de romper os equilíbrios institucionais existentes produzindo assim consequências gigantescas para a história de uma determinada nação. Os autores lembram que ‘critical junctures’ não teriam uma trajetória histórica predeterminada, mas seriam fundamentalmente contingentes, podendo tanto desviar países de trajetórias virtuosas, como também posicioná-los em novas trajetórias viciosas.
Citam como exemplos de encruzilhadas históricas a peste bubônica que, ao matar cerca da metade da população da Europa no século XIV, colocou em xeque o sistema feudal; a abertura das novas rotas marítimas no Atlântico, que gerou oportunidades de ganhos e desenvolvimento de novas elites na Europa ocidental; a Revolução Industrial, que ofereceu mudanças radicais na estrutura das economias ao redor do mundo; etc. Na história recente do Brasil, o Plano Real é um bom exemplo de ‘critical juncture’, pois além de ter gerado equilíbrio macroeconômico em um ambiente caótico de hiperinflação, proporcionou possibilidades de rupturas radicais com a gestão macroeconômica prevalente até então.
Identificar, ex ante, se um evento ou acontecimento terá a envergadura de mudar o curso da história de um determinado país não é uma tarefa fácil. Na realidade, na grande maioria das vezes, a identificação de uma encruzilhada histórica acontece de forma ex post. Ou seja, quando esta já passou, pois assim dispomos de mais elementos de mensuração das suas consequências para as nossas vidas.
Entretanto, mesmo diante de tais dificuldades, me aventuro a predizer que o julgamento do Mensalão, recentemente marcado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para ter início no dia 1º de agosto de 2012, pode significar uma encruzilhada histórica, decidindo não apenas o futuro dos 38 acusados, mas também definir a rota ou caminho que o Brasil irá tomar a partir de então.
Malgrado o tom pessimista de alguns setores da opinião pública com relação à qualidade das instituições políticas brasileiras estas tem tido até então um desempenho surpreendente com relação ao processo do mensalão, tanto na esfera política como judicial. Ora vejamos: as Comissões Parlamentares de Inquérito, mesmo sendo dominadas por aliados do presidente Lula, declararam no relatório final, sem meias palavras, que o mensalão era uma forma de compra de votos no Congresso, operada por assessores diretos do presidente; a Câmara dos Deputados, mesmo controlada por forças governistas, cassou o mandato de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil de Lula; o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que foi nomeado pelo presidente Lula, abriu uma investigação criminal independente e, em março de 2006, pediu que o STF instaurasse inquéritos criminais contra 40 indivíduos ligados ao mensalão; finalmente, seis dos dez juízes do STF, que também foram nomeados pelo presidente, aprovaram os indiciamentos em 2007.
Podemos presumir então que, se todos esses aliados e/ou nomeados pelo presidente Lula aceitaram as alegações sobre a existência do mensalão, parece haver fogo de fato onde só se via fumaça, como a das pilhas de jornalismo investigativo que se acumulavam desde o início de 2005.
O julgamento do mensalão pelo STF se traduz portanto em uma janela de oportunidade estratégica para o destino do país.
Caso os envolvidos não sejam punidos, esta decisão pode significar uma mensagem de reafirmação de que as pessoas, principalmente os ricos e poderosos, podem fazer o que quiserem e sempre encontrarão uma forma de se safar da justiça. A persistência desse padrão de impunidade no Brasil pode reforçar ainda mais a crença na perpetuação de ciclos viciosos e das fragilidades institucionais. O efeito multiplicador da impunidade poderá ser devastador, particularmente para o STF que passa por um momento histórico de grande visibilidade.
Por outro lado, se os acusados forem punidos, pode ser mais um sinal crível de que o Brasil está de fato na rota da boa governança. Ao mesmo tempo, esta decisão pode exercer um efeito demonstração ao apontar que tal comportamento desviante não será mais tolerado e que talvez um novo ciclo virtuoso se abra e se consolide a partir dessa encruzilhada histórica. Afinal de contas, como lembram Acemoglu e Robinson, proteger as pessoas contra comportamentos oportunistas do governo através de um sistema de ‘checks & balances’ robusto e independente é condição necessária para o desenvolvimento. Esta foi a rota seguida pelos países que conseguiram se desenvolver e parece que não será diferente no caso brasileiro, se o Brasil tiver de fato essa ambição.
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2012
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