A propaganda política, ensinava Jean-Marie Domenach, professor francês de Humanidades considerado um dos papas dessa ciência, “faz o povo sonhar com as grandezas passadas e com as glórias do futuro”. Para “vender” essa miragem a propaganda tem usado uma combinação de quatro impulsos – combativo, alimentar, sexual e paternal/maternal – que movem os seres vivos. Cada um desses instintos exerce uma função na estratégia de motivar e engajar a sociedade, mas os dois primeiros ganham ênfase por mexerem com a conservação e a sobrevivência dos indivíduos. O uso da propaganda tem sido intenso não só nos ciclos dos grandes movimentos de massas – Revoluções Francesa e Russa, 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais -, mas no dia a dia da política, transformando-se em eixo central das estratégias de marketing. Nos sistemas autoritários é a correia de transmissão para dizer “a verdade dos governantes”, enquanto nos regimes democráticos passa a ser o anzol para pescar o voto dos eleitores e, ainda, o cabo de guerra para animar os exércitos das campanhas.
A Revolução Francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta, inclusive neste nosso aguerrido segundo turno da campanha presidencial. Ali os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Esse formato, cognominado mudslinging nos EUA, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder – Democrata e Republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Mesmo assim, nem sempre a estratégia de bater no adversário é eficaz. Na campanha para o Senado em 2008, a republicana Elizabeth Dole atacou a rival Kay Hagan veiculando anúncio que insinuava ser ela ateia. A democrata reagiu vigorosamente, dizendo ser professora, religiosa e que Dole queria, na verdade, desviar a pauta econômica – eixo da crise financeira. Ganhou a disputa por uma margem de 9 pontos. Já Lyndon Johnson, em 1964, detonou o republicano Barry Goldwater associando-o à ameaça de uma guerra nuclear.
Ante esse pano de fundo, emerge a questão: entre nós, a artilharia da propaganda atinge o eleitorado? É capaz de mudar posições e intenções dos eleitores? Analisemos. Os perfis de Serra e Dilma se inserem na moldura técnica e, sob esse abrigo, parecem destoar da linha agressiva dos spots publicitários que suas campanhas despejam. Tiros de um lado e de outro acabam se anulando no ar.
Ocorre uma “canibalização recíproca”, manifesta na expressão popular “todos os políticos são farinha do mesmo saco”. Ademais, as práticas partidárias são assemelhadas entre as legendas, o que as junta na mesma teia de descrédito. O eleitor não consegue descobrir dentro da policromia partidária as cores mais claras e as mais cinzentas. O calor do embate, principalmente nos instantes finais de um pleito, acaba também impedindo correta avaliação de excessos e abusos de ambos os lados. Convém lembrar que mensagens de teor negativo geram eficácia em campanhas de saúde (imagens escabrosas de vítimas do tabaco) e de prevenção de acidentes (cenas trágicas de desastres com automóveis). Também geram consequências em certos momentos, principalmente quando envolvem valores profundamente arraigados na sociedade.
Quem não se recorda do episódio envolvendo Miriam Cordeiro e sua filha Lurian, utilizado por Collor nos últimos sete dias da campanha do segundo turno em 1989? A onda negativa que se formou na época contribuiu para o naufrágio de Lula na eleição presidencial.
De lá para cá, escândalos aos montes, máfias incrustadas na administração pública, cooptação de parlamentares por via escusa, casos estrambóticos envolvendo a vida pessoal de atores políticos contribuíram para banalizar a agenda negativa da política. Isso explica por que parcela das pessoas resiste à influência de candidatos sobre seu psiquismo. Assim, a propaganda eleitoral vem apenas reforçar a ideia que milhões de eleitores já têm sobre os contendores. Os maiores conjuntos, por seu lado, agregam as maiorias passivas, que são influenciadas pelo segundo impulso – o alimentar -, e este tem o condão de anular o efeito das mensagens negativas do rádio e da TV. Diante do cenário descrito, resta aduzir que a campanha negativa, cuja contundência alcançou o clímax nos últimos dias, não levará a nada. Pode, até, funcionar como bumerangue, ou seja, voltando-se contra o candidato que a deflagra. O momento que vive o País convida a uma profunda reflexão no terreno das ideias, na perspectiva de avaliação dos programas em andamento e de novas propostas, sem a lâmina cortante que a propaganda eleitoral exibe, principalmente pela internet. Será que os candidatos não conhecem os reais efeitos de uma campanha negativa?
Da clássica era do “terror que engendra o medo” até os nossos dias, a peleja política tornou-se, digamos assim, menos bárbara quanto aos métodos de castigo de adversários – sem guilhotinas e fuzilamentos -, mas não menos violenta no que concerne ao uso de processos para tornar viáveis intentos dos contendores. Na paisagem cheia de borrões, ninguém sai limpo.
A uma semana das eleições, um clima de guerra se espraia pelo território, o que nos faz lembrar a peroração de Saint-Just, um dos maiores jacobinos: “Todas as artes produziram maravilhas, exceto a política, que só tem produzido monstros.”
(“O Estado de S. Paulo” – 24/10/2010)
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