Artistas, juristas, editores, jornalistas, biógrafos e biografados divergem sobre os diretos de publicação e comercialização de biografias não autorizadas. O assunto ganhou força quando os integrantes do grupo “Procure Saber”, entre eles Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Djavan, declaram-se a favor do controle sobre o lançamento dessas obras, alegando o direito à privacidade.
Liderando a outra ponta do debate, que também reúne personalidades brasileiras, incluindo artistas como Frejat, Zuenir Ventura, Luis Fernando Veríssimo e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, está a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel). A organização entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que permitem a censura prévia de biografias, no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Instituto Millenium conversou com o advogado da Anel, Gustavo Binenbojm, sobre o caso. Nesta entrevista, o especialista do Imil e professor adjunto de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), aborda as principais questões em jogo: a liberdade de expressão e o direito a privacidade. Confira!
Instituto Millenium: Baseados no artigo 20 do Código Civil, artistas integrantes do grupo “Procure Saber” querem proibir a publicação de biografias não autorizadas e cobrar pagamento aos biografados e seus herdeiros. A iniciativa tem sido classificada como um ato de censura que atenta contra o Estado de Direito. Como o senhor avalia essa situação?
Gustavo Binenbojm: O artigo 20 do Código Civil cria uma situação esdrúxula ao exigir uma autorização prévia dos biografados ou de seus familiares, no caso das pessoas já falecidas, como condição para a publicação de qualquer obra de caráter biográfico, incluindo de natureza audiovisual. Essa atitude só pode ser classificada como uma censura privada.
A Anel entende que esse é um artigo inconstitucional. Por isso, propomos a ação de inconstitucionalidade que tramita no Supremo. Imaginamos que essa forma de censura pode ser derrubada no julgamento dessa ação.
Imil: As biografias não autorizadas têm ampla garantia legal em países como EUA e Inglaterra. Na opinião do senhor, qual é o impacto desse tipo de proibição para a sociedade?
Binenbojm: A posição do Brasil sobre as biografias é um caso sui generis no mundo ocidental. Não se tem conhecimento de outros países que exijam esse consentimento prévio. Essa situação limita não só a liberdade de criação artística e intelectual sobre a vida de personalidades públicas, mas, sobretudo, o direito de acesso à informação.
Cada vez que uma editora deixa de publicar um texto, temendo esse tipo de censura, perdem não apenas a editora e o autor, como também toda a sociedade brasileira, que se vê culturalmente empobrecida por esse tipo de cerceamento.
Imil: Qual é a sua avaliação sobre os impactos dessa censura prévia quando se trata de biografias de pessoas públicas como os políticos?
Binenbojm: Segundo a redação do artigo 20 do Código Civil, a autorização prévia é sempre necessária. Alguém que pretenda escrever um livro sobre a vida de Paulo Maluf, por exemplo, poderá ser censurado simplesmente porque ele não tem interesse em revelar sua história de vida.
Quem tem notoriedade e exerce um poder social está sujeito às formas de controle social próprias de uma democracia. A principal delas é o direito a informação. As pessoas têm curiosidade sobre a vida do Albert Einstein porque elas querem entender os caminhos que levaram alguém a se tornar um gênio. Elas querem saber por que o Papa João Paulo II vai ser santo e porque o Roberto Carlos se tornou o maior ídolo popular no Brasil na segunda metade do século XX.
As pessoas têm direito a pesquisar e obter informações lícitas para contar uma história. Ninguém está defendendo a invasão de privacidade.
Imil: O que pode ser feito no sentido de garantir os direitos dos biografados sem ferir a liberdade de expressão?
Binenbojm: A questão fundamental é se perguntar: qual é o direito do biografado?. O biografado pode impedir que alguém conte a sua história? Esse direito não existe porque a história das pessoas públicas é parte da historiografia social.
Contar a história do Frank Sinatra é contar a história da música e da cultura nos EUA. Falar sobre as relações ambíguas que ele manteve com a máfia é falar sobre a vida política e social norte-americana.
Então, o biografado não tem o direito de impedir que alguém conte a sua história. Eles têm o direito de não serem caluniados, injuriados e difamados. Mas, em qualquer democracia, isso acontece a posteriori. Caso a obra contenha algum conteúdo calunioso ou difamatório é possível mover uma ação penal privada. Se houver dano moral, é possível mover uma ação. Agora, a solução nunca pode ser a censura prévia. Se a Constituição de 1988 baniu a censura estatal, o país não pode conviver com uma censura privada como essa que o artigo 20 do Código Civil cria.
Imil: Qual é a sua expectativa para o julgamento da Adin no STF?
Binenbojm: Na última segunda-feira, 14 de outubro, saiu um despacho da ministra Cármem Lúcia, relatora da Adin 4815, convocando a realização de uma audiência pública no Supremo nos dias 21 e 22 de novembro. Diria que, grosso modo, essa ação será julgada até meados do próximo ano.
Como biografar alguém sem acesso à família do biografado e de seus amigos mais próximos? Pela lógica, presumo, que qualquer cidadão, famoso ou não, tenha uma vida privada com memórias e arquivos que partilha unicamente com sua família e amigos íntimos, na medida em que o desejar. Então qual o verdadeiro intuito de se criar uma lei sobre biografia não autorizada? Para aumentar o faturamento dos biógrafos através, fato não raro, do sensacionalismo e dos processos?
O que falta nesta polemica é senso moral, aliás,marca registrada dos comportamentos humanos na atualidade, e, em qualquer parte do globo!