Livro de Sandro Vaia sobre a blogueira cubana Yoani Sánchez traça um painel sobre Cuba e é o primeiro lançamento do selo Atualidades da Editora Barcarolla
Com seu blog Generación Y, a filóloga cubana Yoani Sánchez tornou-se mundialmente conhecida. Indicada pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo e agraciada com o prêmio Ortega y Gasset na categoria Jornalismo Digital, Yoani é tema de livro escrito pelo jornalista Sandro Vaia.
A Ilha Roubada
Sandro Vaia
Editora Barcarolla – Atualidades
180 páginas
R$ 32,00
A cubana Yoani Sánchez mantém o blog Generacíon Y desde abril de 2007. Nele, traça cotidianamente um retrato sobre como é viver em Cuba nos dias de hoje. Graças à sua autenticidade, o blog conquistou leitores em todo o mundo e alguns de seus posts chegam a render seis mil comentários. O jornalista Sandro Vaia viajou a Havana e gravou mais de vinte horas de entrevistas com Yoani e seu marido, o jornalista Reinaldo Escobar, para escrever o livro A Ilha Roubada, lançamento da editora Barcarolla que inaugura o selo Atualidades e chega às livrarias na terça-feira, 26 de maio.
Longe de se colocar como um símbolo da luta pela liberdade de expressão ou uma candidata a mártir político, Yoani usa o blog para narrar e comentar acontecimentos do dia-a-dia por meio de uma linguagem clara, bem humorada e muitas vezes irônica. Não por acaso, ela recebeu o prêmio Ortega y Gasset, oferecido pela mesma Prisa que edita o jornal espanhol El País, na categoria Jornalismo Digital. O governo cubano, entretanto, não lhe concedeu a autorização para ir à Espanha. Quem recebeu o prêmio em seu nome foi um cubano radicado em Barcelona, o também blogueiro Ernesto Hernández Busto.
Sandro Vaia, jornalista brasileiro com mais de trinta anos de carreira, teve a idéia de escrever o livro depois de passar a ler o blog de Yoani e acompanhar o reconhecimento internacional obtido por ela. Nas palavras de Vaia, em seus escritos Yoani não comporta “uma clássica militância dissidente em relação ao regime cubano”. Longe de tecer considerações político-filosóficas, ela prefere narrar as “atribulações da vida cotidiana de uma comunidade submetida à escassez material e à opressão derivadas da privação de liberdades básicas”.
O livro é mais do que um mero perfil biográfico. A partir dos depoimentos de Yoani e Reinaldo, Vaia contextualiza o leitor em relação a Cuba. Assim, com várias histórias sobre o cotidiano na ilha, o autor tece um retrato sobre o país e seus habitantes.
Descendente de imigrantes espanhóis, Yoani Sánchez nasceu em 1975, em Havana. Ela conta que, muito embora fosse um homem de pouco estudo, seu pai sempre gostou de ler. Assim, crescendo rodeada por livros, ela construiu uma espécie de mundo paralelo graças à literatura de autores como Victor Hugo, Balzac, Zola e Dostoiévski. Determinada a ser a primeira universitária da família, ela a princípio quis se tornar jornalista. No entanto, logo percebeu o absurdo de ser jornalista em um país sem liberdade de expressão e optou por estudar filologia.
Conheceu Reinaldo, duas décadas mais velho, quando estava na faculdade. Ele fora expurgado da profissão de jornalista em 1988, quando trabalhava no Juventud Rebelde, e seus artigos “não se alinhavam à linha editorial do jornal”. Chegou a trabalhar como mecânico de elevadores para garantir o sustento. No início do casamento, eles sobreviviam vendendo coisas no mercado ilegal e dando aulas clandestinas de espanhol. Nos dias de hoje, além de continuar lecionando espanhol, eles trabalham como guias alternativos para pessoas que se interessam em percorrer os pontos turísticos não convencionais de Havana.
Mesmo sobrevivendo com dificuldade, Yoani e Reinaldo não são dependentes do Estado. Com isso, eles desenvolveram, além da autonomia material, uma certa autonomia política. Segundo ela, quando “uma pessoa não depende do Estado para comprar um televisor, quando não precisa depender de meios políticos para passar um fim de semana na praia ou para comprar qualquer eletrodoméstico, isso de alguma maneira tira o chip da obediência”. A despeito da censura existente, portanto, eles procuram se comportar como pessoas livres.
Em 2004, associaram-se a um grupo de amigos e fundaram a revista virtual Consenso. Foi a primeira experiência de Yoani com a rede. A revista tinha como objetivo inicial abrir o debate, permitir que pessoas de diversos matizes políticos se manifestassem, mas logo passou a ser usada por figuras ligadas a partidos políticos como se fosse uma espécie de órgão oficial dessas agremiações. Em função disso, Yoani e Reinaldo perceberam que o melhor a fazer era se afastar e buscar outros meios para expressar suas opiniões.
Assim, com a ajuda de alguns amigos da Alemanha, criaram, em 2006, o portal desdeCuba.com para exercer o que chamam de “jornalismo livre”. O portal comporta a revista Contodos e vários blogs, dentre os quais o Generación Y de Yoani e o Desde aquí de Reinaldo.
Uma vez criado, o Generación Y adquiriu notoriedade rapidamente. Um texto no portal do The Wall Street Journal foi apenas o começo. Com o passar dos meses, os acessos, os comentários e a repercussão só aumentaram, vindos de todas as partes do mundo. Como não poderia deixar de ser, os partidários do regime cubano viram em Yoani uma espécie de ameaça e passaram a espalhar boatos, como o de que ela não existiria, mas seria uma criação de intelectuais cubanos dissidentes. Outra acusação recorrente é a de que ela existe, sim, mas estaria na folha de pagamentos de alguma organização anticastrista.
Generación Y tem o acesso bloqueado em Cuba. Assim, Yoani é um caso talvez único de blogueira que não consegue visualizar o próprio blog. Para atualizá-lo, ela escreve os posts, grava-os em um disquete, vai a uma lan house e os envia por e-mail a uma rede de amigos estrangeiros. Estes traduzem os textos para o italiano, o francês e o inglês e os remetem para o servidor, que fica na Alemanha. Só então é que os posts são publicados. Posteriormente, também por e-mail e graças a essa rede de amigos, Yoani recebe os comentários dos leitores.
Dentre as várias razões do sucesso do blog, Yoani aponta o fato de fazê-lo com o rosto descoberto e usando o seu próprio nome. Segundo as suas próprias palavras, saber que “essa mulher tem um rosto, existe, está em Cuba e é real ajudou na identificação com os leitores”, além de desqualificar de imediato boa parte dos ataques feitos contra ela. A revista Time colocou Yoani entre as cem pessoas mais influentes do mundo sob a rubrica “Heróis e Pioneiros”. Ela, entretanto, diz preferir que seu nome estivesse sob a rubrica “Cidadãos”.
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