*Marina Rocha
Recentemente, comecei a ler o livro A Falácia Socioconstrutivista, da professora Kátia Simone Benedetti, que explica como o processo de alfabetização e leitura no Brasil está desalinhado com as melhores evidências científicas existentes e quais as consequências desse fato para a educação. Logo no primeiro capítulo, a autora relata como pedagogos e teóricos da educação impuseram, com perseguições aos que tinham um pensamento divergente, um método de alfabetização pouco eficaz para parte considerável das escolas públicas e particulares do país.
Essa imposição só demonstra a necessidade de enfrentarmos o alto número de burocracias centralizadoras e regulamentações existentes no sistema educacional brasileiro, que permitem tomadas de decisão “de cima para baixo” com pouco espaço para críticas ou para o oferecimento de alternativas para as famílias. Defender a liberdade educacional, nesse contexto, é uma forma de evitar problemas como os relatados no livro.
Para além de discussões metodológicas, a doutrinação ideológica ao abordar assuntos políticos, tema que vem sendo discutido tanto dentro quanto fora do Brasil, é uma consequência direta da falta de liberdade educacional. Regulações em relação a como determinados conteúdos devem ser ensinados e qual a abordagem histórica e teórica que deve ser utilizada, podem acabar direcionando os estudantes para determinadas visões de mundo no lugar de ensinar perspectivas diversas e nuances sobre assuntos históricos e políticos.
Um exemplo de como a doutrinação tem acontecido nas escolas pode ser vista para o caso americano com uma pesquisa de 2022 feita pelo think tank Manhattan Institute. Segundo os resultados, 80% dos estudantes entrevistados afirmaram ter aprendido ao menos um conceito relacionado à teoria crítica da raça – ideologia coletivista que retrata indivíduos e países como inerentemente racistas – durante o ensino médio, enquanto 54% tiveram contato com algum conceito associado à ideologia de gênero. Além disso, apenas 32% dos alunos mencionaram que visões contrárias foram apresentadas como igualmente válidas, o que caracteriza um processo de doutrinação e não uma simples exposição a diferentes perspectivas sobre questões polêmicas.
A doutrinação como consequência da falta de liberdade educacional também foi abordada pelo economista da Escola Austríaca e pensador libertário Murray Rothbard, tanto no livro Educação: Livre e Obrigatória quanto no capítulo 7 do livro Por uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário. Ao longo das suas obras, Rothbard mostrou como a educação pública obrigatória sempre foi usada como forma de reprimir minorias dissidentes, sejam elas políticas, étnicas ou religiosas. Segundo o autor, os líderes religiosos da Reforma Protestante, como Lutero e João Calvino, viam a educação pública de frequência obrigatória como uma arma de guerra religiosa contra as religiões que não seguiam suas doutrinas.
Além do proselitismo religioso, o ensino público patrocinado pelo governo foi usado para formar uma população obediente ao estado. Como observou Rothbard, para defensores do sistema de educação pública nos Estados Unidos como Calvin Stowe, a educação estatal era vista como uma questão de segurança nacional, e os pais que não inscrevessem seus filhos nesse sistema eram considerados uma ameaça em um nível similar a espiões ou invasores estrangeiros.
A relação entre doutrinação e militarismo também pode ser vista no sistema educacional prussiano, que, criado no século XIX, visava promover a unidade nacional através de um modelo de ensino centralizado e obrigatório com forte influência militar. Esse sistema buscava formar uma identidade nacional, tratando a escola pública como um exército do povo, o que, segundo mostrado por Rothbard, pode ter contribuído para a visão belicosa da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
Empiricamente, a liberdade educacional também é uma demanda de pais e mães brasileiros. Uma pesquisa feita para o Instituto Millenium chamada Preferências, prioridades e escolhas dos pais brasileiros para a educação dos seus filhos – e por que eles devem ser livres para escolher encontrou resultados similares sobre os desejos educacionais dos pais em relação aos seus filhos para diferentes faixas de renda.
A pesquisa dividiu os pais entre dois grupos: Nível Socieconômico baixo e médio-baixo (NSE baixo), para aqueles com renda familiar abaixo de R$: 5.000,00) e Nível Socioeconômico alto e médio-alto (NSE alto), para pais com renda familiar acima de R$: 5.000,00. Os dois grupos de renda familiar desejaram, de acordo com os resultados, metas e objetivos similares em um sistema educacional e em uma escola ideal, com poucas variações de um nível socioeconômico para o outro.
Segundo as respostas, as famílias de NSE baixo e NSE alto desejam uma escola que ensine a disciplina, o trabalho em equipe e prepare para desafios futuros, como o mercado de trabalho, em percentuais similares. Logo, o receio de políticas de escolha educacional e liberdade não funcionarem para o caso brasileiro, uma vez que famílias de baixa renda não teriam os mesmos desejos por uma educação de qualidade do que as famílias de alta renda, não se sustentaria, como concluiu a autora:
“Não há, portanto, qualquer justificativa ética, racional ou pragmática para a manutenção de políticas públicas que impeçam escolhas educacionais dos pais e mães. Permitir que utilizem, no provedor educacional de sua escolha, os recursos que já cabem aos seus filhos em escolas públicas não é uma medida irracional ou arriscada. Há evidências de que pais e mães têm melhores critérios e mais interesse em fazer escolhas fundamentadas e sensatas para o bem dos seus filhos do que um pequeno grupo de gestores de ensino, que acabam fazendo escolhas genéricas, não flexíveis e homogeneizantes, por vezes até pressionados por grupos de interesse.”
Nesse sentido, é possível defender várias medidas para solucionar os problemas causados pela ingerência estatal na educação e garantir políticas que permitam a escolha educacional. Inicialmente, seria importante descentralizar ao máximo para estados e municípios as decisões feitas sobre currículos e metodologias no Ensino Público de modo que secretarias de educação e outros gestores da área possam escolher quais as melhores formas de ensino baseadas nas melhores evidências possíveis de modo que os resultados entre as localidades possam também ser comparados.
Ainda no Ensino Público, é importante também dar mais poder aos pais em conselhos da educação e deixar a administração mais eficiente por meio de Escolas Charter, que recebem o financiamento público mas podem ser geridas por empresas privadas e ter maior independência em relação ao sistema unificado de ensino. Outra medida para garantir a possibilidade de escolha para pais de baixa renda é a implementação de voucher escolares, com o governo pagando uma quantia diretamente aos pais que podem utilizá-la para o pagamento de mensalidades e cursos educativos para os filhos no Ensino Privado.
Uma redução das regulações necessárias para a abertura de escolas e a permissão de maior liberdade curricular nas escolas particulares também é uma medida que pode ser adotada e que pode reduzir os preços médios de mensalidades a partir do aumento da oferta. Além disso, a regulamentação do homeschooling para pais que desejam criar os próprios currículos e ensinar seus filhos em casa é um passo que também pode ser considerado importante para aumentar a liberdade educacional no Brasil.
Marina Rocha é uma economista de Belo Horizonte que atualmente trabalha como Assessora Estratégica na Secretaria Municipal de Lagoa Santa, Minas Gerais. Já participou de iniciativas pró liberdade como o Instituto de Formação de Lideranças Jovem e o Students for Liberty Brasil e já escreveu como apprentice no Mises Institute.