Queira ou não o prefeito paulistano, Gilberto Kassab, seu movimento de criação de um novo partido acabou sendo entendido pelos políticos como a concretização de um sonho, a tal “janela” para permitir a mudança de legenda sem que o trânsfuga seja atingido pelas sanções da lei de fidelidade partidária.
No que parecia uma maneira de resolver uma questão paulista — a disputa de espaço para uma candidatura ao governo de São Paulo em 2014 —, o futuro Partido da Democracia Brasileira (PDB) acabou se transformando em um desaguadouro de insatisfações em diversos partidos pelo país: PV, PP, PTB, PR e assim por diante.
Muitos políticos que estão desconfortáveis em seus partidos viram nesse projeto a possibilidade de se organizar. O grande problema é de ordem prática: a indefinição sobre o tempo de propaganda gratuita em rádio e televisão na próxima eleição municipal está contendo o ímpeto inicial de adesões.
A eventual fusão a médio prazo com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que cresceu em 2010, tornou-se uma espécie de sonho de consumo dos que se preparavam para embarcar no projeto de Kassab.
O partido cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores.
Mas foi nos governos estaduais que o PSB aumentou mais seu cacife. Depois do PSDB, foi o partido que mais elegeu governadores, seis ao todo, sendo quatro no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado.
O PSB não é um partido que tenha a cultura de confrontação, e as arrumações partidárias nos estados podem ser feitas sem grandes traumas. Mas também não quer receber em suas fileiras qualquer um. O governador Eduardo Campos (PE) teve conversas francas com Kassab e com o governador catarinense, Raimundo Colombo, e colocou algumas barreiras de entrada.
O projeto específico de São Paulo pode ser a solução que o partido está procurando desde que tentou algumas opções como a ex-prefeita Luiza Erundina ou mesmo o projeto de Ciro Gomes ser candidato ao governo,que acabou fazendo água.
O fato de Kassab ser um político tradicional, sem ligações históricas com a linha política do PSB, não interferirá na possível união política, questão superada pelo fato de o prefeito ser um político de gestão modernizadora, com méritos na relação com o eleitorado, que reconheceu seu trabalho, e na limpeza da Câmara paulista.
O estranhamento que essa mudança provoca, com o PSB contando em suas fileiras com políticos como Gabriel Chalita, o próprio Kassab, o empresário Paulo Skaf, que foi candidato ao governo paulista, foi discutido abertamente pelo governador Eduardo Campos, provocado pelo próprio governador Colombo (SC), um dos “estranhos no ninho”.
Para Eduardo Campos, a tradição do PSB sempre foi a de ter um núcleo que segura o eixo estratégico do seu pensamento, mas ser aberto o suficiente para abrigar parceiros dessa luta.
O PSB foi um partido que sempre defendeu frentes políticas, relembra o governador, que abrigou em determinados momentos pessoas “que não necessariamente eram socialistas, mas eram democratas, liberais, pessoas que abraçavam valores que nos são caros, como a democracia, a liberdade. Esse é um processo que vem de nossa tradição”.
Ele admite que muitos se referem ao estatuto de 1947 para renegar essas filiações, mas diz que o estatuto “já não está posto para essa nossa realidade, o mundo mudou, as circunstâncias são outras, a discussão é outra, a forma de trabalho é outra”.
Na definição de Campos, o PSB não é de confrontação, mas de acumular forças para melhorar a vida do povo. “Fazer isso se isolando, ficarem cinco intelectuais e meia dúzia de sindicalistas radicais querendo botar o mundo de cabeça para baixo, pode redundar num mandato de vereador, eventualmente numa bancada de deputados, mas, para a sociedade, no que vai resultar?”, indaga.
Esse “falso radicalismo” impede avanços, e hoje as alianças têm que ser feitas por dentro dos partidos, por que as coligações tendem a acabar, explica Campos.
Para o governador de Pernambuco, se um partido “pretende expressar a sociedade plural que temos, tem que ter dentro de si essa diversidade”.
Ser de esquerda no interior da Amazônia é a mesma coisa que ser de esquerda em Ipanema?, indaga Campos, para exemplificar a diversidade que o PSB quer espelhar.
Mas há limites: “Tem que ter princípios, não pode ser corrupto, patrimonialista. Quem tiver espírito público, que seja
democrata, que tenha vinculação com os valores democráticos, será bem aceito”, define.
Em 2014, ele garante que o PSB estará na base de sustentação da presidente Dilma, “ajudando a que faça um bom governo para que tenha condições de disputar a reeleição”. Ele diz que já conversou com Lula a respeito, e acha que é bom para o país, é bom para o presidente Lula, que Dilma dispute a reeleição.
Com relação ao futuro, as contradições com o velho PT nos estados podem chegar ao ponto do insuperável, porque o PT não está se renovando, não tem um governo-símbolo de um padrão inovador.
Essa maneira de fazer política, com o aparelhamento do Estado sem levar em conta a boa gestão pública, não resiste ao tempo, na opinião de Campos.
“O mundo real vai se sobrepor ao mundo dessa política partidária menor, e a dinâmica da própria sociedade vai exigir outro comportamento. Essa massa que está sendo incluída é uma faca de dois gumes para esse tipo de prática política”, diz ele
Eduardo Campos diz que percebe que “a polaridade (PT-PSDB) que São Paulo exporta está se esgotando no estado e vai se esgotar no Brasil”. Ele trabalha o futuro político com parcerias com jovens políticos de sua geração, especialmente o ex-governador de Minas e senador Aécio Neves. Se não estiverem juntos em 2014, em algum momento estarão.
Fonte: O Globo, 17/03/2011
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