A Rio+20 não criou uma nova burocracia pública e nem um novo imposto, como demandavam políticos, burocratas globais e seus aliados, as ONGs globais. O sonho tecnocrático de monopolizar conhecimento, planejar e comandar de forma central e global não vingou desta vez.
Outra surpresa são as análises pós evento, quase unânimes em concluir que as questões da Rio+20 podem ser atacadas a partir dos indivíduos, das comunidades, das empresas privadas e das cidades. Por ora, opta-se pela vasta quantidade de conhecimento que existe localmente. Simpática homenagem a Elinor Ostrom, a única mulher Nobel em Economia, que morreu na semana anterior à Rio+20. Achava um erro tais acordos globais. Ela dedicou sua vida acadêmica pesquisando comunidades que administravam bens comuns de forma muito efetiva sem a intrusão de governos.
O conceito de bem comum definhou. Com regras claras, é possível precificar quase todas as atividades econômicas, atraindo-se então o setor privado e resolvendo-se sérios problemas políticos. É engano achar que, nas questões dos recursos naturais e do clima, a economia não dá conta. De fato, empresas privadas não fazem planos de cem anos, mas existem demandas privadas que justificam investimentos em projetos de enorme impacto positivo.
Regras fundamentais são definições claras de direitos de propriedade ou de uso e ambiente jurídico estável. O uso da rua pode ter seus custos internalizados na direção de menor emissão de CO2, menor ruído e menor congestionamento, ou seja, maior bem-estar com geração de receita para investimentos. O pedágio urbano de Londres foi, para prefeito Ken Livingstone, “a única política pública que conheço que deu resultados muito melhores do que os esperados”.
Existe alinhamento de interesses entre consumidores, comunidades, empresas privadas e cidades. Nos países desenvolvidos aumenta o bem-estar com diminuição do uso relativo de energia e recursos naturais. E, caso justifiquem-se intervenções como impostos sobre insumos naturais, que sejam tais impostos transferidos para quem poupa tais insumos, e não para burocracias nacionais ou globais.
Tal otimismo não ignora conflitos entre os humanos e a natureza nem a existência de dilemas. A natureza não é sempre Mãe e a história humana tem sido a do esforço para se defender da natureza, principalmente para escapar da fome e da morte prematura. O balanço geral é de sucesso. Um exemplo: em oitenta anos, a mortalidade de desastres climáticos caiu 93% em números absolutos e 97% na taxa per capita.
Dilemas complexos são entre demografia, pobreza e recursos naturais. O Brasil é um caso espetacular de como a questão demográfica se resolveu, sem planejamento nem coerção. Já a questão da pobreza parece mais complexa. Menor pobreza relaciona-se com maior produtividade do trabalho. O economista Nobel Robert Fogel mostra evidência histórica que o corpo humano converte maior consumo de energia alimentar em maior produtividade ao trabalhar. Se Fogel estiver certo, há dilema sério entre menor pobreza e menor uso da natureza, pelo menos até que níveis de bem-estar sejam politicamente aceitáveis. E isso não acontecerá rápido. Aos que acham que não temos tempo, recomenda-se nervos de aço e conforto nas escritas cuneiformes de cinco mil anos atrás, lamentando as doenças sociais na Suméria causadas pela estupidez humana, entre elas “o materialismo e a miopia que desrespeitam os limites da natureza” e que ameaçam “destruir a semente da humanidade (Samuel Kramer).”
O Brasil pode aprimorar as regras do jogo, comandar pouco e deixar as pessoas livres para errar e acertar. Temos que conter nosso ímpeto planejador central. Com liberdade uma sociedade usa melhor o conhecimento disperso. Sem uma sociedade de acesso aberto e sem liberdade, não há descoberta, invenção, empreendedorismo. É então melhor desistir de uma economia verde.
Fonte: O Globo, 03/07/2012
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