O controle de capitais agora é “parte da caixa de ferramentas” da política econômica, admite oficialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI). Há um ano ainda não era, embora o assunto já fosse discutido com alguma abertura. A novidade acaba de ser sacramentada depois de um ano de estudos e discussões técnicas. Mas falta consenso a respeito do uso das ferramentas, das obrigações de cada país – emissor ou receptor de capitais – e das implicações da mudança para as políticas do FMI.
Diante do crescente fluxo de recursos, num mercado internacional saturado de dinheiro, o Fundo tem a obrigação de orientar seus membros da melhor maneira possível, disse o diretor-gerente da instituição, Dominique Strauss-Kahn. Mas é preciso fazer muito mais, acrescentou, para se alcançar algum acordo a respeito do assunto.
O FMI foi simplesmente forçado a reconhecer uma situação de fato. Em abril do ano passado, o Panorama Econômico Mundial, sua principal publicação, apontou o crescente fluxo de recursos para as economias emergentes como um problema importante. Alguns governos já tentavam impor barreiras pelo menos a certos tipos de capitais. O relatório registrou o fato, sem crítica, limitando-se a recomendar maior atenção a outros tipos de medidas. A partir desse momento o desafio cresceu.
Brasil e outros emergentes foram inundados por um tsunami de dólares a partir de 2009 – uma inundação com efeitos cambiais, valorização de ativos e risco de criação de bolhas. Governos adotaram vários tipos de barreiras, sem pedir a bênção a nenhuma instituição, e agora o FMI tenta criar uma cartilha de boas práticas para os países com problemas desse tipo. Os fatos se impuseram. Chegou a US$ 435 bilhões o ingresso líquido de capitais nas economias emergentes – excluída a China – entre o terceiro trimestre de 2009 e o segundo de 2010. Pouco mais de metade desse dinheiro foi enviada a sete países – Brasil, África do Sul, Coreia, Indonésia, Peru, Tailândia e Turquia.
Para descrever o movimento de capitais os técnicos do FMI olharam as duas pontas. Houve fatores de atração, como o crescimento econômico dos emergentes, a lucratividade de suas empresas e os juros altos de alguns países. No lado oposto estão os fatores de impulso, como o excesso de dinheiro, os juros muito baixos e a recuperação lenta das economias desenvolvidas.
Alguns números mostram a importância dos dois grupos de fatores. Um aumento de um ponto porcentual nos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano resultaria, em média, numa redução de 31% no fluxo de aplicações em bônus dos emergentes. Um acréscimo de 1% no índice de volatilidade dos mercados ocasionaria uma queda de 0,5% nas aplicações em carteira dos emergentes. Uma elevação de um ponto porcentual no crescimento econômico das economias emergentes pode traduzir-se numa expansão de 4% dos fluxos totais. Mas esses cálculos ainda podem subestimar a evolução dos fluxos durante os surtos – períodos de um trimestre a um ano com influxos muito acima das tendências de longo prazo. Longos surtos são classificados como “episódios”. Segundo o FMI, os 48 emergentes analisados passaram por 125 episódios de grandes influxos de capitais nas últimas duas décadas – sendo 26 em curso neste momento.
O FMI ainda prefere respostas de tipo tradicional. Se a moeda estiver depreciada, o melhor será deixá-la valorizar-se. Se não houver excesso de reservas, valerá a pena comprar dólares. Apertar a política fiscal para permitir juros mais baixos também é um procedimento preferencial. Fora dessas condições, cabe recorrer aos controles do fluxo, aplicando medidas administrativas e fiscais.
O Brasil, segundo o FMI, falhou na aplicação das medidas tradicionais: até o fim de 2010 a política fiscal permaneceu expansionista e isso incluiu os empréstimos subsidiados do BNDES. Diante da valorização do real, as autoridades tributaram o ingresso de capital e impuseram exigências aos bancos, mas com efeitos limitados, de acordo com o estudo.
Os estudos produzidos pelo pessoal técnico foram discutidos pelos diretores executivos do FMI – representantes de países ou grupos de países-membros. Diretores dos emergentes cobraram maior atenção aos países de origem dos fluxos – como os Estados Unidos. Em outras palavras, não basta formular recomendações para os países inundados de capital estrangeiro e forçados a tomar medidas de controle. A discussão continua e esse deve ser um dos grandes temas da reunião de primavera do Fundo, na próxima semana, em Washington.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 06/04/2011
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