Relatórios recentes da Agência Internacional de Energia sobre a situação do petróleo no mundo, da Exxon sobre as perspectivas para o setor, além de estudo da Harvard Kennedy School sobre as perspectivas de crescimento da capacidade de produção e o que isso significa para o mundo, ensejam algumas reflexões acerca das profundas modificações que devem ocorrer na geopolítica internacional nos próximos anos. Dois fatos novos deverão trazer significativas implicações políticas, econômicas e estratégicas no cenário internacional: as fontes de produção do petróleo sofrerão profundas mudanças e a demanda global, em especial da China, da Índia e do Oriente Médio, deverá crescer de 35% a 46% entre 2010 e 2035.
Em 2015 os EUA deverão superar a Rússia e se transformar no maior produtor mundial de gás natural. Até 2017 os mesmos EUA devem superar a Arábia Saudita e se tornar assim um dos maiores produtores de petróleo do mundo. De importadores passarão, até 2025, a ser exportadores de líquido de combustível, graças a um significativo aumento na produção de gás (20% de 2008 a 2012) e de petróleo (37% nesse período). Isso como resultado de uma nova tecnologia na exploração de depósitos profundos em formações de xisto (fraturamento hidráulico e perfuração horizontal) e da rápida melhoria na eficiência do consumo de combustível.
O novo cenário deverá propiciar um movimento de reindustrialização nos EUA, que atrairá de volta empresas instaladas na China e no México. Esse fato reforçará a tendência de crescimento do país e da redução das emissões de gás carbônico. Com isso poderá ocorrer o enfraquecimento das resistências domésticas às decisões internacionais na área de meio ambiente. Na medida em que são construídas usinas a gás natural, mais eficientes, haverá declínio nos EUA do uso no carvão mineral, substituído por usinas térmicas, o que pode significar aumento de sua exportação para os mercados europeu e chinês.
O crescimento na produção global é resultado do grande volume de investimentos feitos nos EUA desde 2003, com seu ponto mais elevado em 2010, em reservas não convencionais no país (xisto betuminoso), no Canadá, na Venezuela (óleo superpesado) e no Brasil (pré-sal). Por outro lado, Noruega, Reino Unido, México e Irã enfrentarão até 2020 queda na capacidade produtiva. O maior potencial de produção deve concentrar-se no Iraque, nos EUA, no Canadá e no Brasil. A continuação do crescimento da produção, contudo, dependerá, segundo os relatórios, de o custo desta se manter acima de US$ 70, a preços correntes.
Esse cenário otimista do crescimento da indústria petrolífera poderá ser afetado ou por uma recessão econômica global, que engendraria a redução do consumo na China, ou por uma crise no Oriente Médio, incluindo o Irã. Com a queda da demanda, o excesso de produção poderá trazer o preço para abaixo dos US$ 50, ameaçando a produção global. Mesmo nesse cenário pouco provável, o desenvolvimento de projetos de maior custo marginal, como o pré-sal brasileiro, segundo os relatórios, não ficaria afetado.
A partir desses fatos e projeções, surgem algumas consequências geopolíticas da revolução petrolífera. O Oriente Médio poderá deixar de ser o foco das preocupações para os principais mercados consumidores, especialmente para os EUA e a Europa. E a Ásia se tornará o principal mercado para a maior parte do petróleo do Oriente Médio, com a transformação da China em novo protagonista no cenário político dessa região.
Ao mesmo tempo, o Hemisfério Ocidental poderá recuperar a situação que tinha antes da 2.ª Guerra Mundial, voltando a ser autossuficiente em petróleo. Os EUA reduziram, desde 2006, em 40% a importação do produto. Não parece provável, porém, que os EUA se isolem do resto do mundo petrolífero e não tenham influência sobre a formação dos preços do produto, nem que, no contexto da política externa, as questões do Oriente Médio percam sua importância. A Rússia, nesse contexto, deverá reduzir suas exportações de petróleo e, sobretudo, diante da concorrência dos EUA, de gás natural para a Europa. A importância política relativa russa na Europa tenderá a diminuir, o que pode explicar o interesse de Moscou em se associar à OCDE.
Quanto às implicações desse novo cenário sobre a América Latina, o país mais afetado deverá ser a Venezuela. Em consequência da situação interna e das atitudes de Hugo Chávez, os EUA iniciaram nos últimos anos um processo de redução das aquisições de petróleo, hoje situadas ao redor de 10% da demanda norte-americana. As refinarias da costa do Golfo estão substituindo o petróleo venezuelano pelo xisto betuminoso, de produção local. O México, com produção cadente a partir de 2020, poderá tornar-se importador de petróleo, revertendo uma posição de tranquilidade nas suas contas externas. Essa situação poderá agravar-se caso ocorra a volta de maquilas norte-americanas, estimuladas pela reindustrialização favorecida pelos baixos preços do gás natural.
Argentina, por suas reservas importantes de xisto betuminoso, e Brasil, pelas reservas do pré-sal, estarão em posição privilegiada caso consigam superar as dificuldades internas que impedem a exploração das referidas reservas em sua plenitude. Nos dois países, a instabilidade jurídica, derivada da modificação das normas regulatórias, as limitações de financiamento das empresas e as dificuldades por que passam as estatais petrolíferas mostram um retrocesso em suas capacidades produtivas, justamente quando ocorre essa grande transformação na indústria de petróleo no mundo. No caso do Brasil, o petróleo do pré-sal não mais será absorvido pelo mercado americano, como inicialmente esperado. Outros destinos deverão ser buscados, em especial China e Índia.
Fonte: O Globo
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