Soa como piada o anúncio de uma política de metas de longo prazo, num país onde um plano chamado Brasil Maior é baseado em incentivos provisórios e os preços dos combustíveis são controlados para disfarçar as pressões inflacionárias. Com aparente seriedade, no entanto, essa novidade foi anunciada à agência Reuters pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Se a conversa for para valer, haverá pelo menos uma boa notícia. O governo terá descoberto – ou redescoberto, depois de muito tempo – um velho princípio de política econômica. O ministro mencionou o exemplo da China, onde se planeja para décadas, e completou seu comentário com um contraste entre os dois regimes: “Fazer isso em uma democracia (referência ao Brasil, naturalmente) é uma ousadia”. Nem tanto. Cuidar do longo prazo é muito mais que fixar metas de crescimento. É também estabelecer e seguir padrões de ação cotidiana para facilitar o planejamento e estimular a inovação. Tudo isso é o oposto das práticas brasileiras, como se comprova, muito facilmente, com alguns dados bem conhecidos.
Não há, para começar, política fiscal de longo prazo, uma das condições fundamentais de qualquer projeto ambicioso de crescimento e modernização. Ministros falam de política anticíclica, mas nunca trataram de estabelecer um padrão fiscal contracíclico, semelhante àquele encontrado no Chile e em países com administração igualmente séria. Dois ministros propuseram há alguns anos um prazo para eliminação do déficit nominal. A proposta foi bombardeada pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com apoio do presidente do BNDES na época, Guido Mantega. Esse ajuste seria o primeiro passo para a adoção de um regime contracíclico, desenhado para acumulação de gorduras nos tempos bons e queima nas fases difíceis. Continuam prevalecendo o curto prazo e as conveniências políticas imediatas. Uma das consequências é um orçamento cada vez mais engessado e menos manejável sem uma carga tributária pouco funcional e bem mais pesada que a de outras economias emergentes.
Não há uma clara distinção entre estímulos conjunturais e medidas de longo prazo destinadas a tornar a economia mais eficiente. Lideradas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 20 entidades empresariais pediram ao governo a prorrogação do Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras). Esse esquema, com duração prevista até o fim do ano, permite a devolução, aos exportadores, de parte dos impostos acumulados na cadeia produtiva. Foi adotado como ação de conjuntura, mas vale como compensação parcial e temporária de um problema estrutural – a estúpida tributação do sistema produtivo e exportador.
O contraste entre o problema duradouro e a solução provisória bastaria para mostrar o descompasso entre os desafios e as respostas de curto e de longo prazos. Truques como o Reintegra seriam desnecessários, se os governantes houvessem enfrentado há mais tempo a sempre adiada reforma tributária. Em breve essa reforma poderá sair, promete o governo, mas será fatiada e talvez sem solução efetiva para a guerra fiscal.
A visão de curto prazo predomina também quando se trata da inflação. Ano após ano o governo mantém a meta de 4,5%, uma taxa muito mais alta que a da maior parte dos países desenvolvidos e emergentes. A desculpa da prioridade ao crescimento só pode convencer os ingênuos ou desinformados. Outros países em desenvolvimento têm crescido mais que o Brasil, por vários anos, com preços mais próximos da estabilidade. Além do mais, a margem de tolerância permite uma inflação de até 6,5%, como a do ano passado. Uma inflação maior que a dos competidores produz, entre outras consequências, um desajuste permanente do câmbio. Este ponto elementar é sempre esquecido quando se fala dos problemas cambiais. Não é preciso ter no armário um Prêmio Nobel de Economia para saber como o diferencial de inflação afeta o câmbio real.
A lista das incompatibilidades entre o discurso e a prática da política de longo prazo é muito mais extensa. Bastaria lembrar a prioridade educacional a partir de 2003 – facilitar o acesso às faculdades, boas ou más, em vez de cuidar da escola fundamental e do gargalo representado pelo ensino médio. Os efeitos são claros tanto nos dados do IBGE quanto nos desajustes do mercado de trabalho.
Quanto à política de investimentos e à gestão de áreas estratégicas do setor público, o diagnóstico é bem conhecido. As consequências da gestão política da Petrobrás e do loteamento da administração federal – basta pensar no Ministério dos Transportes – comprovam amplamente a pouquíssima importância atribuída, por muitos anos, a estratégias econômicas de longo alcance. Para cuidar de fato do longo prazo será preciso abandonar esses costumes.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/11/2012
Texto brilhante, Professor Rolf Kuntz! Como sempre!