Como com qualquer política pública, o acerto na fixação de um imposto pode ser avaliado pelas respostas a quatro perguntas básicas: se a medida é consistente com o objetivo a que se propõe; se ela é eficaz; se os danos que ela causa são inferiores aos benefícios que dela se espera, de forma que se obtenha um ganho líquido positivo; e se ela é a melhor alternativa para se atingir esse objetivo.
No caso do IOF sobre a entrada de investimentos estrangeiros de portfólio, o objetivo declarado é impedir a apreciação do real, provocada pelo grande influxo de capitais observado desde o segundo trimestre do ano. Esse movimento resulta de um conjunto de forças: a enorme liquidez provocada pela política monetária dos EUA e da Europa; o deslocamento de parte dos fluxos financeiros antes orientados para os mercados americano, inglês, espanhol e da Europa emergente; e a maior atratividade do Brasil após seu sucesso em superar a crise e voltar a crescer mais cedo e mais rápido que a maioria dos outros países. O IOF cambial faz com que seja menos rentável investir no Brasil, reduzindo a oferta de divisas e dessa forma atenuando a apreciação cambial.
Será o IOF cambial eficaz em impedir que o real se valorize? A resposta, neste caso, parece ser não. A experiência mostra que o mercado em geral encontra formas de realizar as mesmas operações sem incidência de imposto, aproveitando brechas nas regras. Por exemplo, as empresas podem captar recursos externos no mercado internacional e internalizá-los na forma de investimento direto, sem pagar IOF. Ganham com isso os bancos de investimento, que se especializam em arquitetar esse tipo de solução; perdem os investidores, que têm de pagar comissões por esses serviços.
A principal consequência negativa do IOF cambial é a alta no custo de financiamento. De um lado, isso se dará pela elevação da taxa de juros, inclusive a incidente sobre a dívida pública, o que comprometerá parte dos R$ 4 bilhões que se espera arrecadar anualmente com o novo IOF. De outro, pelo enfraquecimento do mercado de capitais doméstico, com mais empresas listando suas ações em bolsas estrangeiras, que deverão absorver parte da liquidez da Bovespa. As pequenas empresas, que não têm essa alternativa, serão especialmente penalizadas. A possibilidade de que novas medidas sejam adotadas caso o real continue se apreciando irá se refletir em um prêmio de risco no custo de capital das empresas. Tudo isso impactará negativamente o investimento produtivo.
Há melhores opções para se impedir a apreciação do real? Sim e não. Uma alternativa, por exemplo, é adotar uma política fiscal mais conservadora, e anticíclica, o que geraria um excedente com que se poderia comprar mais divisas e permitiria ao Banco Central praticar juros mais baixos, diminuindo o custo fiscal de carregamento das reservas internacionais. Da mesma forma, pode-se avançar com a flexibilização dos controles cambiais e tornar mais fácil para pessoas, físicas e jurídicas, aqui domiciliadas, investir no exterior, o que geraria uma demanda compensatória por moedas fortes.
Muito provavelmente, porém, essas medidas levariam a melhoras na classificação de risco soberano e seriam vistas como avanços na situação do país, o que atrairia mais capitais estrangeiros, fortalecendo o real. Não há saídas fáceis para esse dilema. Por isso, o país precisa se preparar para conviver, por pelo menos alguns anos, com uma moeda mais apreciada.
Há pelo menos três tipos de coisas a fazer. Primeiro, impedir a excessiva alavancagem e a superexposição ao risco cambial por parte de bancos e empresas sistemicamente importantes. Isso passa por maiores exigências de transparência e, no caso dos bancos, limites regulatórios estreitos. Segundo, garantir que a poupança externa que o país vai absorver seja canalizada para aumentar o investimento, e não o consumo, com o deslocamento da poupança doméstica, como já ocorreu no passado. Terceiro, compensar a perda de competitividade dos produtores domésticos causada pelo real mais valorizado com a redução de custos externos às empresas, notadamente no que tange à oferta de serviços de infraestrutura, à qualificação da mão de obra e ao custo das regulações públicas, itens em que o Brasil aparece particularmente mal nas comparações internacionais.
Fonte: Jornal Correio Braziliense, publicado em 28 de Outubro de 2009.
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