*Pedro Urso
As inteligências artificiais, ou IAs, há muito tempo deixaram de ser apenas uma promessa futurista e passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Atualmente, seu uso se tornou comum nas mais diversas situações, a começar pela criação de imagens trends fofas no Instagram, como a recente trend de fotografias em Studio Ghibli, até em conversas para pedir conselhos profissionais, sugestões de restaurantes ou indicações de filmes e séries. No entanto, seu papel mais relevante tem sido o de servir como ferramenta profissional, contribuindo diretamente para o aprimoramento de diversas atividades no ambiente de trabalho.
Diante desse novo cenário, torna-se cada vez mais urgente lidar com os riscos e limitações envolvidos no uso das inteligências artificiais. Em 2020, por exemplo, a empresa americana MEDICREA realizou uma cirurgia de coluna com o auxílio de IA, demonstrando como essa tecnologia já é aplicada em contextos altamente críticos e sensíveis. Nesse contexto, ficou evidente a lacuna deixada pela ausência de um marco legal capaz de regulamentar de forma eficaz essa nova realidade.
A necessidade de regulamentar as IAs já parece um debate vencido no mundo jurídico, seja para proteger os usuários seja para responsabilizar as plataformas por eventuais erros cometidos. Entretanto aparecem novos grupos querendo impedir a utilização dessa nova tecnologia.
Diversos setores da sociedade demonstram preocupação crescente com os impactos das inteligências artificiais no mercado de trabalho, sobretudo quanto à substituição de empregos por máquinas. Há também grupos mais alarmistas e, em alguns casos, extremistas que temem uma suposta “revolução tecnológica” contra a humanidade, cenário popularizado por filmes de ficção científica, em que as máquinas superam o controle humano e ameaçam sua existência. Para esses, a única solução seria o boicote ou até mesmo a destruição das tecnologias e empresas envolvidas. Diante disso, talvez seja oportuno relembrar lições do nosso passado.
No início do século XIX, em plena Revolução Industrial tivemos um importante movimento operário conhecido como ludismo. Esse movimento foi protagonizado por trabalhadores ingleses que, preocupados com a substituição da mão-de-obra humana pelas máquinas passaram a destruir equipamentos industriais como forma de protesto. O ludismo expressava um real medo do trabalhador: o de ser deixado para trás pelo avanço tecnológico. Apesar disso, a história provou que o ludismo foi apenas um ato de resistência irracional ao progresso e totalmente superado pelo tempo.
As máquinas passaram a ocupar todas as indústrias e apesar disso os ludistas não foram desempregados. A sociedade se adaptou e novos empregos foram gerados. Pode não ter sido fácil para a primeira geração de ludistas que se viu desempregada, mas a sociedade avançou e hoje ninguém questiona a necessidade do uso de máquinas nas indústrias.
Apesar disso, a sociedade parece não ter aprendido com a própria história. A cada nova inovação tecnológica, o mesmo padrão se repete: surgem vozes preocupadas, acreditando que a novidade cause desemprego e prejudique profissionais estabelecidos. São como as vozes dos grupos que argumentavam: “Não devemos usar lâmpadas, pois isso acabaria com o trabalho dos fabricantes de velas.” Ou: “É melhor não adotar a fotografia, para não prejudicar os pintores de retratos”. Depois vieram questionamentos como: “Computadores não deveriam ser usados em escritórios, senão as datilógrafas perderão seus empregos”.
Com a inteligência artificial, a história se repete. A nova interface do ChatGPT, por exemplo, agora é capaz de gerar imagens com uma qualidade surpreendente e, como era de se esperar, já surgem grupos na internet pedindo que essa tecnologia não seja utilizada, sob o argumento de que ela ameaça o trabalho de artistas. Esse tipo de reação não é novidade: em 2023, o movimento americano Future of Life contou com a adesão de milhares de pessoas solicitando uma pausa no desenvolvimento e no uso de inteligências artificiais voltadas para texto, mas que não obteve qualquer sucesso.
Esses grupos trabalham com um medo real da população. Pesquisa recente da empresa britânica PageGroup revelou que três em cada quatro profissionais temem perder seus empregos para a inteligência artificial. Em 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também lançou um alerta: cerca de 40% dos empregos atuais correm risco em um futuro próximo.
Entretanto, é importante considerar um estudo do MIT, publicado a cerca de um ano atrás, em que se analisa a viabilidade econômica da automação via IA. A conclusão é de que, pelo menos por enquanto, ainda estamos longe de uma substituição total da força humana de trabalho humana. Em outras palavras, o medo só se mostra justificado a depender da área em determinadas áreas de atuação.
Diversas fontes de pesquisas indicam que as funções mais ameaçadas a curto prazo são as operações repetitivas, com pouca necessidade de interação social, especialmente as tarefas cognitivas não manuais, como a redação de textos simples e traduções. Nesse sentido, atividades manuais como pintar paredes ou lavar roupas, por exemplo, ao menos por ora, continuam fora do alcance da automação.
A verdade é que, na maioria dos casos, a inteligência artificial (pelo menos por enquanto) não vai “roubar” o emprego de ninguém. O cinema não acabou com o teatro, assim como a televisão não eliminou o rádio. Sempre haverá espaço para trabalhos que exigem um alto grau de habilidade artesanal e criatividade humana.
Mesmo que algumas profissões deixem de existir, isso não significa que devemos frear o avanço tecnológico por medo do desconhecido. Desde a invenção da roda, há mais de 5.500 anos, a humanidade tem criado ferramentas que tornam a vida mais fácil, ainda que, no processo, algumas atividades manuais se tornem obsoletas. Essa transformação é contínua, mas em todos os casos nós nos reinventamos e conseguimos superaras adversidades, e sim, pode ser desconfortável, assim como o crescimento e a adolescência costumam ser. Mas resistir a ela com base em um medo irracional não nos protege, mas apenas nos atrasa nossa evolução.
* Pedro Urso é Membro da equipe de jurídico societário da Gerdau S.A., Presidente da Sociedade de Debates da Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduado em Comércio Exterior, Pós-Graduado em Direito da União Europeia pela Universidade de Coimbra, aluno de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Artigos do Instituto de Formação de Líderes Jovem São Paulo (IFL Jovem SP).a