Amanhã (23/04) é comemorada uma das criações mais importantes da humanidade: o livro. A festa foi oficializada em 1930, em homenagem a Miguel de Cervantes e a William Shakespeare, que coincidentemente passaram para a imortalidade em abril de 1616. Entretanto, o maior mérito por sua popularização foi de um não escritor: Johannes Gutenberg.
Até o século 15, os livros eram caros, copiados a mão, feitos por encomenda e com muitos erros e diferenças de transcrição – alguns textos de Aristóteles chegam a ter oito versões diferentes. Havia uma seleção conveniente do que deveria ser produzido e muitas das reproduções eram alteradas. Serviam para preservar sistemas de poder e evitar mudanças nas relações sociais.
A inovação do uso de tipos móveis de impressão por Gutenberg objetivava apenas baratear os livros: estima-se que conseguiu um preço final 30 vezes menor que o do exemplar copiado a mão, além de oferecer um produto de melhor qualidade. Mas a inovação fez muito mais do que isso.
O uso da imprensa pode ser considerado como o marco de início do mundo moderno. O acesso a mais informação com livros mais baratos aumentou exponencialmente a alfabetização da classe média europeia e fez com que novas ideias se propagassem pelo mundo. Uma análise estritamente quantitativa mostra uma elevação considerável e sustentada das taxas de crescimento econômico mundial a partir de então.
Os livros impressos quebraram o monopólio da aristocracia e da igreja na difusão do conhecimento. Dessa forma, detonaram uma série de revoluções no mundo: econômicas, políticas, religiosas e científicas. Decretaram o fim do geocentrismo e do absolutismo e o início da rotação de culturas na agricultura e das grandes navegações. Foram fundamentais para a transição entre a Idade Média e o mundo moderno.
Outra mudança radical provocada pela inovação de Gutenberg foi a Reforma Protestante. Ao conseguir imprimir milhares de cópias de suas 95 teses e distribuí-las por toda a Europa, Lutero difundiu sua mensagem e granjeou seguidores.
As revoluções políticas na Europa e na América e a industrial na Inglaterra ilustram a força transformadora das ideias. Coincidentemente, os países que se ajustaram mais rapidamente foram os que mais cresceram. Há muitos paralelos entre a revolução de Gutenberg e o momento atual.
A transformação radical em razão da tecnologia e da globalização antecipa uma economia baseada no conhecimento e em cadeias produtivas globais. A questão central é a adequação das pessoas, empresas e países. Alguns, como a China, estão levando vantagem.
No Brasil, observa-se um crescimento menor do PIB e um encolhimento maior do setor industrial em relação ao resto da América Latina e do mundo. As explicações incluem a política educacional capenga, o protecionismo, reservas de mercado e o foco nos lucros de curto prazo. Vive-se uma realidade que exige um novo paradigma, com outras noções de tecnologia, tributação, logística, políticas macroeconômicas, velocidade de adaptação e de acesso ao conhecimento.
Para as empresas, as transformações implicam que os dois fatores-chave sejam sua inserção nas cadeias produtivas globais e a qualificação do capital humano. Em alguns setores as mudanças são mais rápidas que em outros. A opção é clara: ou um ajuste ou uma perda de mercados. É peremptório imaginar outras formas de produzir, distribuir e aprender.
O futuro do Brasil depende fundamentalmente de duas linhas de atuação: o aprimoramento da infraestrutura – física e institucional – para o setor empresarial e a política educacional.
Há uma agenda latente de reformas que deve ser retomada. É preciso avançar nas relações trabalhistas, numa justiça eficiente e rápida, na redução da burocracia, na segurança jurídica e na simplificação da tributação para dar competitividade internacional às empresas brasileiras. É requisito para incentivar investimentos de empresários locais e externos. Sem isso, as taxas de crescimento do PIB continuarão baixas.
O outro requisito para crescer é investir no capital humano. É possível imaginar a tecnologia a serviço da aprendizagem, com uso intensivo de ferramentas interativas que absorvam e ampliem a vontade de saber, multiplicando o potencial de cada aluno e professor. A educação nunca teve perspectivas tão promissoras.
É difícil prever o futuro do livro. Algumas inovações baratearam o custo de produção e distribuição, possibilitando edições menores e mais baratas. Há também novas formas de divulgação e armazenamento de informações, o que permite antecipar que o número de enciclopédias impressas seja reduzido e o uso de dispositivos de leitura como o Kindle e o iPad aumente. Entretanto, o encanto de um livro impresso bem escrito e encadernado com esmero ainda não tem substituto. Subsistirá.
Finalizando. É dia de celebrações e de dar livros. Presto minhas homenagens a toda a cadeia produtiva do livro: autores, editores, professores, encadernadores, livreiros e a Raquel Santos da Silveira e Maria Olga Garcia, que têm o dom de transformar depósitos de livros em bibliotecas cheias de vida.
Para os leitores deste artigo, uma recomendação como economista, que pode ser comprada na versão impressa, mas também descarregada sem custos da internet: Lombard Street, de Walter Bagehot.
Publicada originalmente em 1873, a obra trata do sistema bancário inglês, na época, o centro financeiro do mundo. Com uma análise acessível de crises, do papel que deve ter o banco central, o livro mostra como um sistema de intermediação financeira bem ajustado pode contribuir para o desenvolvimento de um país, como ocorreu na Inglaterra do século 19 e pode ocorrer no Brasil de 2013. Causou uma revolução no pensamento bancário que perdura até hoje. Uma leitura imperdível. Recomendo. Feliz Dia do Livro a todos amanhã!
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/04/2013
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