Com o inesperado falecimento do eminente ministro Teori Zavascki, os critérios que devem nortear a escolha e o fiel exercício da suprema magistratura voltam à ribalta da opinião pública. Sim, desde o julgamento do mensalão, o colendo Supremo Tribunal Federal ganhou acentuada projeção institucional; para alguns, a exposição tem sido tanta que a corte estaria a se distanciar de sua tradição de reserva, liturgia e sobriedade no digno desempenho da atividade judicante. A crítica merece reflexão.
Frisa-se, inicialmente, que o apontado ganho de popularidade do egrégio STF talvez esteja intimamente ligado ao desenvolvimento democrático do país que enaltece o dever de visibilidade e transparência dos atos de poder. No entanto, é inegável que estamos a presenciar uma palpável hipertrofia do Supremo por força de um preocupante processo de judicialização da política. Ou seja, diante das agudas insuficiências dos poderes políticos genuínos, algumas questões – que deveriam ser resolvidas pelo bom governo ou pelo bom trabalho parlamentar – acabam sendo direcionadas ao Judiciário, que, uma vez provocado, se sente no dever de prestar jurisdição.
No entanto, existem matérias que fogem ao âmbito técnico do conhecimento jurisdicional, exigindo, em vez da firmeza de uma sentença togada, a fluidez e a arte reflexiva do pensamento político criador. Sobre o ponto, a clássica lição de Bryce ensina que “a Corte Suprema tem firmemente recusado intervir nas questões puramente políticas” (in purely political questions). Nessas questões, em vez do controle judicial, o que vigora, conforme as sempre sábias palavras de Ruy, são “os freios da opinião popular e da moral social”. Logo, o povo também é um intérprete da Constituição; em tempos democráticos, não há monopólio hermenêutico.
Nesse contexto, o juiz constitucional deve ser dotado de uma sensibilidade especial que una o rigor técnico ao tirocínio da experiência. Não existe boa aplicação da lei sem a compreensão das circunstâncias. E a profunda compreensão do mundo é a simbiose inseparável do estudo com a vivência. Aqui, não bastam olhos que leiam; é preciso a visão vivida do pensamento superior.
Não é à toa que o processo de escolha da suprema magistratura traduz ato genuinamente complexo. Nos termos da Lei Maior, o presidente da República faz a indicação e submete o escolhido à sabatina no Senado; uma vez aprovado na Alta Casa legislativa, há a nomeação do novo ministro. Como se vê, o referido critério de escolha traduz uma responsabilidade político-institucional conjugada entre o Executivo e o parlamento, cuja razão de ser é outorgar legitimidade democrática ao exercício da jurisdição constitucional. Perguntam: esse critério seria apropriado? Em tese, sim, embora – é claro – possa ser mal e desgraçadamente exercido. Aliás, não existe critério perfeito, pois os interesses humanos sempre podem ser vis.
Felizmente, a história ensina. Quanto ao ponto, não custa lembrar que o primeiro sabatinado, na vigência da atual Constituição, foi o saudoso ministro Paulo Brossard. O notável jurista gaúcho, em sua vasta e plural existência de homem público, levou luzes e independência aos três poderes da República. Que a altura da nobre ilustração jogue ares de intelectualidade, decência e honradez para a escolha que virá. Ou será que tais valores perderam atualidade em tempos de Lava Jato?
Fonte: “Gazeta do povo”, 26 de janeiro de 2016.
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