A chanceler alemã, Angela Merkel, até muito recentemente não escondia sua insatisfação com a maneira descontraída com que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, a beijava, e chegou a mandar um recado oficial, por meios diplomáticos, para que o francês evitasse tais mostras de intimidade inexistentes. Chegou a compará-lo com o personagem cômico inglês Mr. Bean.
Mas a crise europeia serviu para aproximar os dois, e antes mesmo que Sarkozy anuncie oficialmente sua candidatura à reeleição em maio, ela comunicou que está disposta a ajudá-lo na campanha.
No mesmo dia, aliás, em que o presidente francês apareceu na televisão em horário nobre para anunciar medidas impopulares, mas, segundo frisou, necessárias para a recuperação da competitividade da economia francesa.
Sarkozy, que, cinco anos atrás prometia criar uma França onde quem trabalhasse mais ganharia mais, a menos de três meses da eleição propôs aumentar impostos com o objetivo de financiar o sistema de proteção social — que já está sendo chamado de IVA social — e flexibilizar as leis trabalhistas para combater o desemprego.
Ele não conseguiu aprovar durante esses quase cinco anos de mandato mudanças na legislação trabalhista, por conta da reação dos sindicatos, e aproveita a crise econômica para mais uma vez tentar fazer essas alterações, especialmente a mais polêmica delas, que era seu carro-chefe na eleição passada: aumentar a carga horária de trabalho, que hoje é de 35 horas, desde que patrões e empregados concordem.
Uma taxação de 0,1% sobre as transações financeiras, a começar em agosto, pode retirar da França muitos negócios e já foi considerada pelo primeiro-ministro inglês, David Cameron, como “uma bobagem”.
Embora tenha em Merkel um suporte de peso, pois a aproximação da França com a Alemanha é fundamental para a União Europeia, é em outro líder político alemão que ele se espelha.
Gerhard Schörder foi chanceler da Alemanha até 2005, quando foi derrotado pela própria Merkel, depois de tomar atitudes corajosas, mas impopulares, que no longo prazo incentivaram a economia e levaram o desemprego a suas taxas mais baixas.
A aparição de Sarkozy na televisão no domingo à noite, se não serviu para oficializar sua candidatura à reeleição, mostrou que ele está disposto a deixar o cargo, se as pesquisas se confirmarem, com a fama de ter tomado atitudes duras em detrimento da própria carreira política.
Sarkozy tenta, na reta final de uma eleição que parece estar perdida, se colocar como um chefe de Estado experiente e ponderado, contra uma suposta arrogância do candidato socialista, François Hollande, o favorito das pesquisas, que já anunciou que vai rever o acordo que está sendo negociado pela União Europeia a partir de hoje em Bruxelas, antes mesmo que ele tenha sido aprovado.
Na televisão, o presidente francês assumiu um ar de político sábio ao dizer que ele também, quando jovem, já fora muito arrogante, mas aprendeu com a experiência e encontra-se mais disposto ao diálogo hoje.
Isso apesar de ambos serem praticamente da mesma idade: Sarkozy fez 57 anos em janeiro, e Hollande fará 58 em agosto.
O candidato socialista deu uma “mancada” recentemente que está servindo de mote para que os apoiadores de Sarkozy ressaltem sua inexperiência.
Num discurso, ele atribuiu a frase “eles fracassaram porque não começaram pelo sonho” a Shakespeare, mas errou por muitos séculos.
Na verdade, o autor da frase é outro Shakespeare, o Nicholas, nascido em 1957. Foi o que bastou para que o primeiro-ministro François Fillon citasse uma frase “do verdadeiro Shakespeare”, tirada da peça Macbeth — “Tenham coragem até o ponto do heroísmo e nós venceremos” —, para tentar animar a campanha de Sarkozy.
A relutância de Nicolas Sarkozy em anunciar sua candidatura à reeleição faz com que muitos de seus correligionários temam até mesmo que ele desista de competir.
Na semana passada, o jornal “Le Monde” publicou um desabafo particular do presidente no qual ele garantia que abandonará a política em caso de derrota em maio, o que provocou uma debandada de suas hostes.
Nos últimos dias, vários servidores saíram de ministérios ou repartições públicas, voltando às funções originais para esperar o novo governo que se formará.
O mesmo “Le Monde” revelou ontem uma reunião do chefe de gabinete de Alain Juppé, ministro das Relações Exteriores da França, com diplomatas que trabalham no Quai d”Orsay (o Itamaraty francês) pedindo lealdade profissional até o fim do governo, mesmo aos que têm posições políticas diferentes.
A última cartada dos apoiadores do presidente francês é justamente contrapor sua liderança na comunidade europeia à inexperiência administrativa de François Hollande, que deveria ter sido seu adversário há cinco anos, mas foi superado dentro do Partido Socialista pela então sua mulher Ségolène Royal.
Separados, agora é a vez de François Hollande concorrer à Presidência da França, e em um ambiente político bastante mais favorável aos socialistas.
Fonte: O Globo, 31/01/2012
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