É mais fácil um país pobre tornar-se um país de renda média do que este se tornar rico. Os economistas Homi Kharas e Indermit Gill, do Banco Mundial, identificaram essa dificuldade e a denominaram como “armadilha da renda média” em 2007.
Muitos países conseguiram sair da pobreza por meio de políticas governamentais para elevar o estoque de capital da economia. Foi o caso do Brasil. No entanto, o mesmo receituário não seria suficiente para tornar o país rico, independentemente das restrições fiscais. No século 21 ainda menos, por conta do avanço tecnológico.
As dificuldades são de duas naturezas. A primeira é mais técnica: o investimento em infraestrutura e capital instalado gera crescimento do PIB, mas em intensidade decrescente ao longo do tempo. Ficar rico exige passos além: ganhos de produtividade, o que depende de muitas variáveis.
A segunda dificuldade é política. É necessário um arranjo institucional mais sofisticado – envolvendo a academia, imprensa, órgãos públicos e privados – para se construir consensos sobre políticas pró-crescimento. Boa vontade dos governantes é essencial, mas não basta.
Há um grande consenso entre economistas mundo afora de que a educação de qualidade é variável-chave para um país sair da armadilha da renda média. No entanto, em países de renda média não se nota mobilização de atores políticos nessa direção e tampouco envolvimento da sociedade. No Brasil não é diferente e, para piorar, o debate técnico ainda não está suficientemente maduro.
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Nesses países, o setor produtivo é, grosso modo, pouco sofisticado, sendo menos penalizado com a falta de mão de obra qualificada em comparação ao que ocorre em países ricos, que produzem tecnologia e buscam inovação. O que o mobiliza não é a cobrança por educação de qualidade, mas sim benefícios diretos. É o que se vê agora no Brasil com a reação contrária de muitos ao fim da desoneração da folha e à reforma tributária. A elite, que não depende da escola pública, também pouco exerce pressão política.
Como resultado, o desenho de políticas públicas de educação acaba sendo mais influenciado por sindicatos e políticos de viés populista.
É nesse contexto, agravado pela omissão do governo, que foi a aprovado o novo Fundeb. O foco principal do expressivo aumento de recursos foram os gastos com a folha, deixando pouca flexibilidade para gestores escolherem a melhor forma para elevar a qualidade do ensino. Esse tema, por sua vez, ficou praticamente de fora.
Em países pobres, com baixo acesso à escola, é crucial elevar os gastos com educação. O Brasil percorreu esse primeiro percurso, mas não de forma eficaz. Há maior inclusão, mas temos o dobro de taxa de evasão escolar em relação a países parecidos. E não seria correto apontar os salários dos professores como explicação para esse resultado. Segundo o Banco Mundial, o piso salarial dos professores está em linha ao de países com renda per capita similar, havendo evolução bem mais rápida na carreira devido a promoções automáticas, além de a previdência ser mais generosa.
Direcionar mais recursos para abrir vagas e aumentar salários é tarefa fácil e traz resultados e dividendos políticos rapidamente. Difícil mesmo é pular para um segundo estágio de elevar a qualidade do ensino, como fizeram os países ricos, para manter os jovens motivados na escola e prepará-los para a vida. Especialistas apontam a necessidade de afastar professores pouco eficientes, enfrentar sindicatos, treinar professores, revisar currículos e adequar as escolas para a nova realidade tecnológica.
Perdemos a chance de um debate político amparado tecnicamente sobre como melhorar a educação, aprendendo com os casos de sucesso. Nos agarramos a fórmulas fáceis e que deveriam estar superadas.
Será que teremos de esperar o problema educacional começar a prejudicar investimentos de forma visível, como ocorre na questão ambiental, para o debate ficar mais maduro? Por ora, o que estamos fazendo é nos afundar na armadilha.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 23/7/2020