O engenheiro Wilson Ferreira Júnior assumiu a presidência da estatal de energia Eletrobras em julho de 2016, quando a empresa estava sendo investigada por corrupção e acumulava mais de 30 bilhões de reais de prejuízo em três anos consecutivos. Para piorar, havia sido suspensa da Bolsa de Valores de Nova York por não entregar informações financeiras detalhadas. O executivo traçou um plano de ação de guerrilha, conseguindo regularizar a prestação de contas e tirar a companhia do prejuízo. E começou a desenhar o futuro da Eletrobras — que começaria com sua privatização neste ano. No entanto, na segunda semana de janeiro, a medida provisória que encaminharia a privatização foi suspensa por uma liminar de um juiz de Pernambuco, em resposta a uma ação popular. E o Congresso parece cada vez mais resistente ao processo de venda de uma das maiores estatais do país num ano eleitoral. Para levar a privatização adiante, os parlamentares tentam aumentar as contrapartidas para seus estados. No dia 15 de janeiro, a Advocacia-Geral da União e a Câmara dos Deputados entraram com recurso contra a suspensão da MP, e o presidente Michel Temer começou a convocar ministros para que convençam suas bancadas a aprovar o projeto de lei que vai tratar do assunto. Temer mandou os ministros insistirem na importância da privatização da Eletrobras para reduzir o déficit fiscal. De seu posto na empresa, onde falou a EXAME, Ferreira está otimista: acha que é possível solucionar todos os embates ainda no primeiro semestre.
Exame – O Congresso parece mais resistente à privatização da Eletrobras. O plano pode ir por água abaixo?
Estamos dentro do cronograma. O processo de recuperação da companhia depende de um conjunto de ações sobre governança, eficiência operacional e endividamento que a tornem viável, inclusive para ser privatizada. Traçamos esse plano de ação com uma série de medidas que devem ser cumpridas até junho, e no que diz respeito à preparação da companhia está tudo andando bem, dentro do prazo estabelecido. Em agosto, avaliamos junto com o ministro de Minas e Energia que o quadro político também poderia ser concluído no primeiro semestre deste ano, já que havia um prazo de cerca de dez meses para a discussão no governo e no Congresso e para a tramitação das medidas necessárias. Acho que o andamento político está ligeiramente atrasado, mas ainda faltam seis meses para ser concluído. Se tudo estiver aprovado até o meio do ano, sem dúvida nenhuma será possível fazer a oferta de ações no segundo semestre.
Exame – Como a empresa participa desse debate?
A diretoria da empresa recomenda decisões de negócios aos acionistas, como uma venda, uma cisão ou o aumento do capital. Mas as decisões são tomadas na assembleia de acionistas. Não entramos no debate político.
Exame – O propósito da privatização é capitalizar a Eletrobras com uma oferta de ações. Mas, como companhia aberta, ela teria a opção de fazer uma oferta menor mantendo o governo como controlador. Essa é uma alternativa?
Para fazermos a capitalização da empresa no mercado de capitais, é necessário um projeto de lei que tire a obrigatoriedade de o governo federal acompanhar o aumento do capital. Só assim ele será diluído com a entrada de outros acionistas. Na regra atual, o governo teria de acompanhar a oferta para não diluir sua participação e ele não tem esse capital. Esse é o charme da operação que formatamos: o governo deixa de ser controlador, mas mantém suas ações, que vão ser valorizadas com a empresa privatizada. Hoje, o valor de mercado da Eletrobras é de um quarto do patrimônio, enquanto em empresas privadas é natural que seja o contrário, que a empresa tenha valor maior do que o patrimônio. A venda minoritária, que chegou a ser aventada no mercado, seria um jeito rápido de perder dinheiro, pois o governo abre mão de ações por um preço descontado. No modelo que apresentamos, o governo terá participação ainda relevante e, com uma empresa mais rentável, receberá mais dividendos.
Exame – Por que a empresa precisa tanto dessa captação de recursos agora?
Para conseguir alterar o modelo de contratos que tem com o governo e reequilibrar as contas. Nas renovações antecipadas de concessões com o governo em 2013, a Eletrobras aceitou receber uma tarifa média em torno de 35 reais por megawatt-hora, sendo que na época essa tarifa estava em 110 reais. A empresa teria de operar com um custo baixo e isso não aconteceu, acumulando um prejuízo de 31 bilhões de reais de 2013 a 2015. Nesse contrato, chamado de “modelo de cotas”, a Eletrobras ficou com uma operação deficitária e também acabou sendo ruim para o consumidor, que tem a conta alterada por bandeiras tarifárias quando não chove. No ano passado, o consumidor chegou a pagar 215 reais por megawatt-hora. Queremos mudar para o “modelo de operação independente”, em que não há essa tarifa fixa tão baixa mas a empresa é responsável pela operação: se não chove e a geração de energia cai, ela é a responsável por comprar energia no mercado para atender à demanda. Mas o governo não troca simplesmente um contrato por outro, isso tem um custo, que é chamado de “bônus de outorga”. Quanto o governo vai cobrar por isso ainda não está claro, mas a estimativa é entre 7 bilhões e 10 bilhões de reais.
Exame – Quanto a Eletrobras precisa levantar numa eventual oferta de ações?
A companhia vale atualmente cerca de 30 bilhões de reais em bolsa e precisa ser pelo menos de 20% a 25% maior do que isso para que a fatia do governo caia de 63% do capital para 50% menos uma ação. Então, o governo manteria seus 18 bilhões de reais em ações, numa empresa que valeria, pelo menos, 36 bilhões ou 37 bilhões de reais.
Exame – Só será possível tornar a Eletrobras mais rentável com a mudança do modelo de concessão?
A empresa já está mais rentável. Fizemos um trabalho grande de corte de custos que aumentou a geração de caixa e ajudou a melhorar a relação de endividamento. A dívida era de quase nove vezes a geração de caixa e, no terceiro trimestre de 2017, caiu para 4,1 vezes. A meta é fechar 2018 abaixo de três vezes, nível que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social exige para conceder financiamentos. Sem a mudança de contrato de operação e sem a privatização para pagar por ela, a empresa ficará com algum nível de ineficiência.
Exame – Quais foram os cortes de custos que derrubaram o endividamento?
Buscamos a eficiência operacional, pois nossos custos eram 42% maiores do que a tarifa refletia. Enxugamos a estrutura organizacional com a redução de mais de 800 gestores e contratamos a implantação de um sistema único de gestão informatizada para substituir os 11 softwares vigentes. O sistema entrará em operação em abril. Com isso, conseguiremos implementar uma plataforma de serviço compartilha-do nas 16 empresas da Eletrobras, incluindo áreas como contabilidade, pagamentos de impostos, administração de imóveis, e também aumentar a automação de instalações antigas. Isso tem potencial para diminuir o quadro atual em 5 000 pessoas, de 17 000 funcionários. Em 2017, fizemos um programa de aposentadoria que cortou 880 milhões de reais de custos por ano. Neste mês apresentaremos um segundo programa, de demissão incentivada.
Exame – Em 2017, a Eletrobras vendeu uma distribuidora, a Celg, e anunciou que vai vender as outras seis neste ano. Por que se desfazer desses ativos?
A Eletrobras “privatizável” tem escala e é eficiente na área de geração e transmissão de energia. A companhia domina 30% da geração brasileira e 47% da transmissão. Ter distribuidoras com 3% do mercado é quase uma distração. Vamos vender as seis distribuidoras num leilão que deve acontecer até abril deste ano. Diferentemente das demais concessões, na distribuição não renovamos os contratos. Portanto, se elas não forem vendidas, serão liquidadas até julho. Outra venda que já aprovamos no conselho de administração da empresa é de participações pequenas em projetos de transmissão e energia eólica, um total de 77 sociedades de propósito específico. Também devemos concluir isso até abril, e serão mais 4 bilhões de reais em venda.
Fonte: “Exame”
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