Voltando ao tema da infraestrutura abordado na semana passada, acho oportuno esclarecer alguns mitos que insistem em sobreviver, apesar da abundância de dados em contrário.
Indo direto ao ponto, há quem pareça acreditar na oposição entre o ajuste fiscal e os investimentos em infraestrutura, em particular aqueles executados pelo governo. Afinal de contas, não foi a necessidade de cumprir a meta fiscal (nas priscas eras em que a meta significava alguma coisa) que levou ao fraco desempenho do investimento público?
Por paradoxal que possa soar, a resposta é negativa. A insuficiência do investimento público resulta essencialmente da incapacidade gerencial do governo, e não da necessidade de atingir a meta fiscal (que, na prática, deixou de existir a partir de 2008). Isso fica claro a partir dos números calculados pela própria Secretaria do Tesouro Nacional.
Em 2003, por exemplo, o governo federal registrou um superávit primário da ordem de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), contabilizando gastos (exceto transferências a estados e municípios) de 14,8% do PIB, dos quais investimentos equivaliam a 0,4% do PIB.
Nove anos e meio depois, nos 12 meses terminados em junho de 2013, o superavit federal se reduziu para 1,6% do PIB, com despesas equivalentes a 18,3% do PIB, entre as quais o investimento representou meros 1,3% do PIB.
Deve ficar claro que não houve, portanto, nenhuma tentativa (bem-sucedida, ao menos) de contenção do gasto. Pelo contrário, o dispêndio federal aumentou em 3,5% do PIB de forma quase contínua ao longo desses anos. Nada impediria, portanto, que esses recursos fossem destinados majoritariamente ao aumento do investimento, mas, concretamente, não foi o que se observou.
Mesmo se desconsiderarmos a mudança na contabilização do investimento no período (os subsídios com o Minha Casa, Minha Vida foram incorporados nessa rubrica a partir de 2012), a elevação do gasto de capital de 2003 para cá mal alcançou 1% do PIB. Em contraste, o gasto corrente federal aumentou em 2,5% do PIB.
Tais números não casam com a suposta prioridade que se daria ao investimento no Orçamento federal; muito menos com a noção de que restrições fiscais teriam forçado o governo a “cortar na carne”. Mostram, em vez disso, despesas crescentes e a verdadeira preferência do governo: de cada R$ 100 a mais de gasto federal, apenas R$ 27 foram direcionados à ampliação da capacidade produtiva do país.
Descartados, portanto, problemas de natureza fiscal, sobra apenas a incapacidade gerencial do governo para explicar o desempenho do investimento público muito aquém do necessário.
Se, para aumentar o gasto corrente, basta uma canetada, o processo de investimento requer habilidades administrativas mais sofisticadas, assim como um ambiente que reduza ao máximo possível eventuais obstáculos de ordem regulatória.
Nenhuma dessas condições está presente no Brasil hoje. Em particular, o cipoal de regras (licitatórias, ambientais, concorrenciais etc.) que circunda o processo de investimento assegura dificuldades consideráveis, além daquelas que qualquer projeto normalmente sofreria.
Esse ambiente regulatório não é independente da incapacidade gerencial do setor público, mas parte integrante de uma visão de mundo que atribui peso excessivo ao governo e, apesar do discurso supostamente mais arejado nos últimos anos, ainda não parece convencida das vantagens de passar as responsabilidades para o setor privado.
Apenas isso pode explicar a extensão dessas dificuldades para os processos de concessão na forma de controles de toda sorte, inclusive a obsessão com os limites ao retorno nos projetos de infraestrutura.
A verdade é que o governo não faz o necessário e parece se esforçar para criar um conjunto de regras que tornarão difícil que o setor privado resolva o problema. E há que ache que “o pessimismo é exagerado”…
Fonte: Folha de S. Paulo, 14/08/2013
todo possível foi feito