Para muitos a análise da política cambial tende a se tornar uma terreno nebuloso, ainda mais quando predomina certa incerteza no ar.
No quadro atual, da taxa de câmbio tendo chegado a R$ 3,56 em algum momento na semana passada, uma série de ponderações merecem ser feitas. Importante observar que em abril a depreciação cambial chegou a algo em torno de 6%, no ano a 6,7% e em 12 meses a 11,1%. Se mantido o atual patamar, em torno de R$ 3,53, algum impacto inflacionário acabará inevitável, calculando-se 1 ponto percentual a mais no IPCA deste ano. Como este segue baixo, em torno de 2,8% em 12 meses e a economia continua em ritmo fraco, com elevada capacidade ociosa, isso não causa grande preocupação na trajetória do câmbio e seus mecanismos de transmissão para a inflação, pelo menos por enquanto.
Importante observar, no entanto, pelo gráfico ao fim, que tivemos grandes momentos de volatilidade cambial nos últimos dois anos de complicada transição de poder, desde a queda do então ministro da Fazenda Joaquim Levy, passando pelo impeachment da “presidenta”, até o momento atual, muito mais influenciado por fatores externos, de olho na política econômica de Donald Trump e as respostas do Fed.
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Nestas oscilações cambiais, afetadas tanto por fatores domésticos, como externos, nestes dois anos, tivemos, como já dito, a saída de Levy em dezembro de 2016, elevando o dólar a R$ 4,15 em janeiro, pela desconfiança do mercado com o heterodoxo Nelson Barbosa; em meados de 2016 o impeachment de Dilma e a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, elevando o dólar a R$ 3,43; em 2017 o dólar indo a R$ 3,38, depois do vazamento das gravações da JBS, fragilizando o presidente Temer. A partir daí tivemos duas denúncias votadas na Câmara, contribuindo para gerar mais instabilidade ao mercado. Nas últimas semanas voltamos a viver movimentos de valorização do dólar, turbinada por uma simbiose de fatores.
Temos sinais de aceleração da taxa de juros nos EUA, instabilidade com a guerra comercial entre EUA e China, tensões geopolíticas na Síria e aqui no Brasil um “tiro no escuro” sobre as eleições de 2018. Pesando estes fatores podemos considerar os externos preponderantes, mas sem excluir os domésticos. Claro que se tivéssemos aprovado a reforma da Previdência no timing correto, talvez a nossa exposição fosse menor. As agências de rating já revisaram suas avaliações sobre o Brasil, com a Fitch e a Standard and Poor’s rebaixando e a Moody’s dando um prazo para o País (um voto de confiança) a partir de quem for eleito. Este, aliás, será um fator importante a ser considerado.
O transcurso das eleições majoritárias, a ocorrer em outubro, com segundo turno em novembro, será decisivo também para ajudar a definir o rumo da moeda norte-americana.
Atualmente, as eleições se encontram totalmente indefinidas. Pelas pesquisas mais recentes, Jair Bolsonaro lidera, seguido de perto por Marina Silva, Ciro Gomes, talvez Joaquim Barbosa, e um pouco mais abaixo, Geraldo Alckmin, estacionado nos 8%. Nos candidatos da frente, talvez Marina Silva, a partir dos assessores econômicos, se aproxime mais de uma agenda econômica “pró-mercado”. O resto dos candidatos não se sabe. No bloco intermediário, no entanto, os candidatos são mais afeitos à agenda econômica de consenso. Se a disputa recair entre dois candidatos pró-mercado, os investidores acabarão regressando ao País, o que pode representar um câmbio mais valorizado ao final do ano.
Difícil saber, no entanto, qual o novo patamar. A princípio, parece difícil que tenhamos o dólar retornando a R$ 3,20, por mais que a conjunção de fatores seja favorável. O mais provável seria ficar entre R$ 3,40 e R$ 3,50 neste ano, até porque os movimentos no exterior são bem mais impactantes. O real foi a quarta moeda a mais se depreciar neste ano, chegando a 6,7%, em 12 meses a 11,1%. Em primeiro tivemos a Argentina, com depreciação de 10,3% no ano e 32,8% em 12 meses, seguida pela Turquia (8,9% e 14,2%) e a Rússia (6,7% e 10,2%).
Sobre a Argentina, cabe observar que o governo Maurício Macri vem convivendo com “déficit gêmeos” e inflação mais elevada, o que vem derrubando o peso. Em resposta a isso, o Banco Central do País já elevou a taxa de juros pela terceira vez para conter a alta do dólar. Passou de 33,25% para 40%, evitando-se assim o “comportamento disruptivo” da taxa de câmbio.
Não acreditamos que esta movimentação do BACEN argentino acabe levando o BACEN brasileiro a seguir pelo mesmo caminho, até porque nossa situação é bem mais confortável.
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Possuímos um nível de reservas cambiais em torno de US$ 382 bilhões, bem acima do nível de endividamento externo do País, em torno de US$ 313 bilhões, mais US$ 235 bilhões da dívida intercompanhias, sendo esta não estressante por ser uma empresa filial devendo para uma matriz. Deste total, apenas US$ 72 bilhões são dívidas do governo central. Ou seja, somos credores externos.
Olhando para o exterior, observamos que o diferencial de juro vem se reduzindo, com o juro norte-americano ameaçando chegar a 3% ao fim do ano que vem, com o nosso juro básico em recuo, a 6,25% ao fim deste ano e talvez 8% em 2019. Isso, descontando o “risco País” e o cambial, vem retirando a atratividade dos investidores externos. Em paralelo, há o risco de algum recrudescimento na relação dos EUA com os seus principais parceiros comerciais, o que pode gerar algum impasse lá na frente. Importante observar, portanto, o potencial de instabilidade da política externa de Trump, totalmente imprevisível.
Retornando ao Brasil, o que se tem é o BACEN já intervindo no mercado cambial, ofertando no futuro contratos de swap cambial, não descartando leilões de linha (de recompra) ou mesmo à vista, se necessário. Estes, no entanto, devem ser evitados, por afetarem o nível de reservas.
Aguardemos, então, os próximos lances.