A análise econômica do direito foca sua abordagem no comportamento estratégico das pessoas e não no encadeamento lógico e dedutivo das normas legais. Seu enfoque se dá sobre os incentivos que regras e princípios jurídicos geram ao comportamento das pessoas e não na beleza conceitual dogmático-jurídica.
Além disso, é uma abordagem pragmático consequencialista, incorporando ao raciocínio jurídico a consequência que determinada interpretação legal gera aos indivíduos e às empresas.
Finalmente, não descura dos custos sociais das interpretações dadas por tribunais, de modo que a eficiência não deve ser um valor a ser descurado pelo intérprete jurídico. Nesse sentido, os custos passam a ser relevantes e seu trade off com os benefícios são igualmente incorporados ao raciocínio jurídico.
Nesse sentido, temos de pensar que o Estado de direito (“rule of law”) foi uma evolução aos indivíduos que vivem em sociedade, pois impõe limites à atuação dos governantes, que não podem desapropriar as pessoas e imprisioná-las por delitos praticados sem um devido processo legal – que deve transcorrer em um órgão separado e independente do poder executivo, a saber, o poder judiciário.
Também foi uma conquista civilizatória a substituição da aplicação da pena por meio da autotutela por uma atuação do Estado. Dessa forma, ao invés do indivíduo ter de se defender e mesmo punir o agressor, ele transfere esse papel ao Estado, que passa a deter o monopólio da força.
O Estado, para cumprir com suas obrigações elementares – dentre elas a de prevenir, investigar e punir – tributa seus cidadãos. Com efeito, não existe Estado, nem civilização, sem imposto.
Dessa forma, percebe-se que a atuação do Estado passa a ter custos para a sociedade e com sua atividade policial e judicial a situação não é diferente.
O Estado terá de contar com uma polícia que seja capaz tanto de prevenir quanto de investigar crimes. Ele também terá de contar com grupo de promotores para fazer acusações dos investigados a serem processados segundo o devido processo legal. E finalmente terá de contar com juízes imparciais e independentes, o que também gera custos sociais.
Quanto mais garantias aos indivíduos, maior custo ao Estado. Portanto, quanto maior o teste para condenação criminal seja elevado e os limites à atuação da polícia investigativa sejam estabelecidos (respeito à integridade do acusado, por exemplo), mais tributos devem ser pagos pelos contribuintes. Até aqui, nenhum juízo de valor; apenas constatação.
Nesse diapasão, só haverá crime que seja descoberto pela polícia. E só haverá punição, após o devido processo legal, se o Estado (promotor) conseguir provas substanciais da prática criminal.
Naturalmente que quanto mais sofisticado o delito e seus agentes, mais difícil e custosa será a prova. Bons advogados podem fazer o processo durar uma eternidade no Brasil e o réu escapar por prescrição. E aí todos os recursos gastos até ali foram em vão!
Delitos de homicídio são facilmente descobertos porque haverá sempre um cadáver. A prova, não tão difícil de produzir. Já delitos de cartel, de corrupção, são mais difíceis.
Note-se que a delação premiada (metaforicamente chamada de “colaboração”) pela legislação é um meio de acesso à prova e não configura prova em si. Dessa forma, o promotor poderá negociar com o investigado o acesso a provas contra outros acusados e ponderar se vale a pena deixar de processar o potencial réu (salvo quando ele já estiver preso ou condenado, quando outra barganha será feita, mas que não foge ao cálculo de custo benefício antes comentado).
Assim, a liberação do delator, que pode acontecer e que enfurece muita gente no Brasil, pode ser socialmente útil (ou eficiente), pois por meio dela se conseguem informações e provas a um custo relativamente baixo da prática de crimes que – por sua complexidade e preparo de seus agentes – provavelmente jamais seriam descobertos e, se fossem, provavelmente não geraria aplicação de pena em processo judicial, seja por ausência de prova robusta, seja por prescrição. Recursos que seriam gastos na investigação e no processo (de eficácia bastante duvidosa, poderão ser gastos com saúde e educação!)
Não se trata de instituto novo no processo brasileiro, que já conhecia a negociação dos agentes públicos com agentes delitivos no campo do direito concorrencial (acordos de leniência, entre outros).
Fica patente, portanto, que o processo penal investigativo e judicial passa a ser visto como um jogo estratégico.
É difícil julgar a estratégia de um promotor sem acesso a todas as informações que ele dispõe (o que se chama de assimetria informal no jargão econômico). É muito cedo para criticar a Procuradoria Geral da República nesse estágio dos acontecimentos. Até o momento, a estratégia da Lava Jato vem se mostrando vencedora para a sociedade civil – crimes estão sendo descobertos, assim como provas, a um custo relativamente baixo para o contribuinte.
Do ponto de vista de análise econômica do direito, faz sentido que haja diferenciação entre delatores que espontaneamente aparecem antes mesmo da persecução penal, daqueles que somente decidem fazer a “colaboração” após encarceramento e condenação. Em certo sentido, no segundo caso, houve maior gasto de recursos públicos para a geração do mesmo resultado, inclusive com maiores riscos de não punição.
É uma chance única para o país se renovar! E isso acontecerá com o compliance empresarial, que também tem uma lógica de law and economics, como mostrarei em futuro artigo.
Fonte: Jota, 23/05/2017.
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