A despeito de Bolsonaro e de sua desastrosa incontinência verbal, o Brasil precisa voltar a crescer, atrair investimentos e gerar empregos. A despeito de Bolsonaro e de sua vulgaridade de modos, ideias e comportamento, nós – cidadãos, Congresso e sociedade civil – precisamos mobilizar-nos para destravar a economia, desburocratizar processos e restaurar a segurança jurídica para melhorar o ambiente de negócios no País.
A despeito de Bolsonaro e do seu escárnio pela liturgia do cargo que ocupa, nós não podemos ficar sentados na arquibancada assistindo passivamente a o Brasil entrar na sua terceira década de estagnação econômica. Temos a obrigação cívica de arregaçar as mangas, mobilizar a sociedade e pressionar o Congresso para aprovar as reformas estruturais (como a previdenciária) e avançar com as medidas infraconstitucionais para abrir a economia e simplificar regras e leis que inibem o empreendedorismo, a inovação e investimentos no País.
É preciso aproveitar o núcleo de excelência formado por Paulo Guedes no Ministério da Economia para acelerar as medidas liberalizantes de que o Brasil necessita para voltar a crescer. Não há tempo a perder. Guedes e sua equipe precisam ser mais ousados. Se aguardarem a aprovação da reforma da Previdência para engatar a segunda marcha das medidas infraconstitucionais, será tarde demais. Gente talentosa não aguenta trabalhar com chefe medíocre por muito tempo. Portanto, Guedes e seu time têm prazo de validade de curta duração. Certamente não tolerarão por quatro anos a mistura de maluquice, grosseria e inépcia que reina no Palácio do Planalto.
Um excelente exemplo de mobilização cívica é o projeto de lei a favor da liberdade econômica concebido pelo professor Carlos Ari Sundfeld, da Fundação Getúlio Vargas. Lei da liberdade econômica é música para os ouvidos do setor privado. Ela pretende estabelecer padrões mínimos de regras e normas que colaborem para o aumento da competição de mercado e a redução da intervenção do Estado na economia. O projeto enfoca três grandes entraves que atormentam a vida de empresas e de empreendedores que desejam investir no País.
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O primeiro consiste em lidar com um emaranhado de regras e de competências conflitantes entre União, Estados e municípios, que afeta dramaticamente a competição de mercado e a liberdade econômica. Obras de infraestrutura, que são vitais para a retomada da competitividade do Brasil e para a geração de empregos, costumam ser paralisadas por causa da dificuldade de obter licenças ambientais, sanitárias e de construção civil nas esferas federal, estadual e municipal. O projeto do professor Carlos Ari vislumbra criar uma ordem geral de regulação entre os entes federativos para reduzir o poder de intervenção do Estado na economia. A ideia é editar uma lei de direito econômico, alicerçada no artigo 24 da Constituição, que vai racionalizar regras e regulações do Estado e ordenar as normas que regem a liberdade econômica, eliminando as competências conflitantes entre os entes federativos.
O segundo entrave é a insegurança jurídica. O voluntarismo de juízes e de suas decisões monocráticas que mudam a interpretação da lei e retroagem os entendimentos passados, somado às resoluções arbitrárias de órgãos fiscalizadores, causa um verdadeiro caos jurídico no País. No Brasil não há mais justiça, há apenas justiceiros. A sina intervencionista e fiscalizadora do Estado na economia vem minando a noção de Estado de Direito. Ela prejudica a inovação e o empreendedorismo em áreas da economia, como no sistema financeiro (desintermediação bancaria), no transporte coletivo (Uber e uso de aplicativos), nas telecomunicações e na construção civil.
A lei da liberdade econômica cria um sistema permanente de avaliação e revisão de leis, normas e regras, para que sejam corrigidas ou eliminadas. Ademais, impedirá que decisões judiciais possam retroagir e prejudicar empresas e empreendedores por causa de um novo entendimento da lei.
A excessiva judicialização que perdura no País é o adubo que alimenta a corrupção e azeita as práticas heterodoxas para destravar as amarras intervencionistas do Estado. Portanto, o terceiro entrave que a lei da liberdade econômica se dispõe a atacar é a simplificação de regras e processos para diminuir o número infindável de licenças e de autorização exigidas pelo poder público. De fato, a lei transfere para o Estado o ônus de justificar, em casos excepcionais e temporários, a exigência de licenças e de autorização governamental por meio de “atos públicos de liberação” para alguma atividade econômica.
O Brasil precisa urgentemente traduzir a agenda liberal em medidas concretas para destravar a economia, desburocratizar processos e, principalmente, restaurar a segurança jurídica. Não há como atrair empreendedores e investimentos em inovação, avanços tecnológicos, na indústria do conhecimento e em obras de infraestrutura se o Estado continuar a intervir de maneira irracional, arbitrária e voluntarista na economia. A consequência desastrosa desse intervencionismo estatal está nos dados e fatos. O Brasil tornou-se uma das economias mais fechadas e reguladas do mundo. Uma tragédia que nos afastou das cadeias globais de valor e nos transformou em anão do comércio mundial, com participação que não chega a 2%.
Portanto, destravar a economia das amarras do Estado é fundamental para a retomada do crescimento, da geração de empregos e da atração de investimento que impulsionarão o aumento da produtividade e da competitividade do País. Se unirmos esforços para defender, votar e aprovar as medidas liberalizantes da economia, o Brasil vai voltar a crescer e a prosperar. A despeito de Bolsonaro.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 16/03/2019