* Por Felipe Teixeira
O atual federalismo brasileiro foi construído pela Constituição Federal de 1988 como uma resposta ao período militar que centralizou poderes e competências, transformando o Brasil num país praticamente unitário, em que os estados e municípios tinham pouca expressão de vontade política própria, atuando como mero executores das vontades federais. A mudança promovida em 1988 foi muito bem-vinda e necessária, pois deu aos estados e municípios um status de autonomia política, materializado pela distribuição de competências.
Num país de diferentes identidades regionais, o modelo federativo encontra maior respaldo, pois preza pela coexistência de tais identidades ao mesmo tempo em que promove o interesse nacional. Logo, na busca por um modelo cooperativo, o constituinte atribuiu aos estados membros a tríplice capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração, determinando uma série de competências concorrentes em matérias de interesse comum dos entes, como a saúde e educação, que exigem aos entes a atuação conjunta a fins de obter maior efetividade.
Entretanto, as amarras constitucionais também construíram um federalismo que centralizaria as receitas na União, tornando os estados e municípios reféns de repasses para manutenção de políticas essenciais, como o custeio do SUS e a educação pública.
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Além disso, uma sequência de acontecimentos políticos, em destaque à abertura comercial do país na gestão Collor, que, por sua vez, trouxe o primeiro contato direto dos entes não centrais com atores externos, e à concentração da política monetária no Banco Central. Esses fatores, somados ao já preocupante endividamento dos estados, os puseram em uma situação de crise fiscal e econômica que remete aos dias atuais. Tais problemas, juntos à precariedade dos recursos financeiros, criou o cenário ideal para o surgimento da Paradiplomacia.
Nesse cenário, ao lidarem em suas esferas de competências em temas socioeconômicos e culturais, os estados passam a buscar alternativas de promoção do desenvolvimento local, utilizando-se de instrumentos que, dentro de sua capacidade autônoma de busca pelo desenvolvimento, os levam à criação de uma agenda de inserção internacional.
Nesse sentido, a Paradiplomacia surgiu no Brasil como uma resposta ao federalismo centralista da Constituição Federal, cuja ideia inicial de um modelo cooperativo entre as esferas políticas não obteve êxito, visto que os estados membros e muitas vezes municípios tiveram seu poder autônomo restrito às condições econômico-financeiras regionais e locais.
Entende-se que Paradiplomacia se dá mediante do estabelecimento de contratos e convênios com entidades públicas ou privadas estrangeiras, permitindo o fortalecimento das políticas públicas locais. A autonomia política dada aos entes subnacionais pelo Pacto Federativo é alvo de interpretações acerca de sua constitucionalidade, porém, a Paradiplomacia já foi institucionalizada em muitos entes subnacionais através de secretarias, assessorias de relações internacionais, entre outros, responsáveis pela criação de uma agenda de ação internacional paralela à diplomacia nacional.
Uma vez que o sentido da Paradiplomacia está na ação internacional deslocada do eixo central, o Estado, em prol da tratativa de assuntos locais, este fenômeno evidenciou uma problemática de distribuição do poder entre os entes da federação, caracterizada por uma concentração de competências e recursos à União e atribuições a estados membros e municípios desprovidos de recursos para execução das políticas públicas.
Além disso, “o déficit de institucionalidade das relações intergovernamentais no Brasil tornou-se um problema para a própria gestão federativa do País” (RODRIGUES, 2011, p. 17), visto a necessidade de coordenação entre as esferas da federação para obter efetividade em assuntos de competência comum.
A própria Paradiplomacia evidenciou a dificuldade da União Federal em coordenar interesses não-nacionais para formulação da política externa enquanto política pública. Em tal cenário, a tentativa da constituinte de implantar um federalismo cooperativo, de colaboração, tornou-se um controle do ente central acerca das competências comuns dos entes.
Portanto, o processo de crescimento e fortalecimento das iniciativas paradiplomáticas no Brasil surge em um contexto cujas mudanças sociais, políticas e econômicas exigem ao Estado como um todo e à sociedade repensarem o Pacto Federativo. Tal processo de repensar o federalismo brasileiro exige a busca pelo sentido histórico da criação desta modalidade de organização de estado, atrelada ao combate ao autoritarismo e do fortalecimento das identidades regionais, ao mesmo tempo em que promove o interesse nacional.
Conforme Bercovici, o federalismo, em seu modelo ideal, é um modelo de integração do espaço territorial, de forma a promover as regionalidades e o estado nacional como um todo, sendo, logo, necessárias constantes mudanças institucionais para adequar a distribuição de competências e rendas às desigualdades regionais. No cenário brasileiro, uma vez que o Senado Federal não desempenha adequadamente a função de fórum federativo, a questão das desigualdades regionais não encontra uma “arena federativa” adequada para uma solução política efetiva.
Tem-se assim, pelas conclusões do autor, um cenário que a própria estrutura federativa reforça e perpetua as desigualdades regionais, levando os entes federados à busca por soluções para o exercício das políticas públicas através da ação externa, conforme será apresentado no último capítulo.
Diante da própria noção de crise do federalismo mostra que atuação do ente central, ao buscar dirigir os rumos socioeconômicos do país, restringe e submete os entes não centrais a um modelo semelhante ao Estado Unitário, onde os órgãos regionais decorrem do poder central, e não de uma atribuição constitucional.
Logo, a necessidade de repensar o federalismo brasileiro passa primordialmente por uma releitura deste Pacto na Constituição Federal. Defende-se, assim, uma visão do federalismo à luz dos objetivos da República Federativa do Brasil, no artigo 3º da Constituição, onde a cooperação entre os entes federados é atribuição essencial para encontrar a legitimidade do federalismo.
* Felipe Teixeira é pesquisador no Mestrado em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS e formado em Direito
Fonte: “Terraço Econômico”, 28/02/2019