O presidente Jair Bolsonaro enfrentará o mais imprevisível e complexo cenário internacional desde 1945. O multilateralismo (ONU e OMC) e a globalização estão sob ataque com o risco concreto de uma guerra protecionista, pondo em perigo a ordem liberal e ameaçando trazer de volta a recessão.
Políticas equivocadas nos 13 anos e meio do PT puseram o Brasil numa situação de isolamento nas negociações comerciais, de atraso na inovação e tecnologia, de perda de poder, de influência e de espaço no comércio internacional e de manufaturas, além de ter crescido abaixo da média mundial e dos países em desenvolvimento.
Sendo o Brasil uma das dez maiores economias do mundo, espera-se que o novo governo responda – como foi feito nos últimos dois anos – a esses desafios e busque restaurar e ampliar a voz do País no cenário internacional, e nos reinserir nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior.
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Sem apriorismos ideológicos, e com visão de futuro, o Itamaraty deveria definir as prioridades segundo o atual interesse nacional e as transformações do cenário internacional no século 21. Parece evidente que os principais interesses estratégicos do Brasil se encontram nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, em particular com a China, pela importância da agenda bilateral. A integração regional deveria merecer uma atenção especial, já que interessa ao Brasil ampliar a liberalização comercial, aprofundar os acordos vigentes e a integração física da região. Em relação ao Mercosul, depois de 25 anos de sua criação, para reexaminar seu funcionamento e sua prioridade para o Brasil poderia ser convocada a conferência diplomática prevista no Tratado de Ouro Preto, que estabeleceu a união aduaneira. O relacionamento com a Venezuela deveria merecer cuidado especial pelo impacto sobre nossos interesses (tráfico de armas e drogas, refugiados, dívida), assim como deveriam ser ampliadas as medidas de coordenação com os nossos vizinhos para a proteção das fronteiras, a fim de combater o crime transnacional.
Nas organizações internacionais, o Brasil terá de ampliar e dinamizar sua ação diplomática nos temas globais, tais como sustentabilidade, energia, tráfico de armas e de drogas. O combate à corrupção, assim como ao terrorismo, à guerra cibernética, controle da internet, e as questões de paz e segurança têm de receber especial atenção, assim como a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, as operações de paz e a questão da não proliferação nuclear. O Brasil tem de continuar a defender valores que prezamos internamente, como a democracia e os direitos humanos, em especial na América do Sul. O tema ambiental e do desenvolvimento sustentável deveriam merecer um lugar de destaque como um dos principais ativos externos do Brasil.
No comércio exterior, não se pode adiar uma nova estratégia de negociações comerciais bilaterais (acordos na região e fora dela), regionais (Mercosul) e globais (Organização Mundial do Comércio, a OMC) para pôr fim ao isolamento do Brasil, com ênfase na abertura de novos mercados e na integração do País às cadeias produtivas globais com vista ao crescimento econômico, ao aumento dos fluxos do comércio exterior e do investimento externo, objetivando a criação de empregos. Deverá ser finalizada a negociação do Mercosul com a União Europeia (UE) e estimulados os entendimentos com Japão, Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Efta e, eventualmente, com o TPP, o acordo com a Ásia. A criação do Superministério da Economia, com a incorporação da pasta da Indústria e Comércio Exterior, poderá causar um conflito de competências com o Itamaraty nas negociações externas.
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O novo presidente terá de tomar decisões de imediato, com ajustes e ênfases segundo sua visão de mundo. A mais urgente será reagir à decisão do Órgão de Apelação da OMC sobre o pedido da UE e do Japão de mudanças na política de incentivos aos setores automotriz e de informática. Outras são a crise na Venezuela, o problema com os refugiados, as medidas para fortalecer o controle de nossas fronteiras, a avaliação do funcionamento do Mercosul, a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o acordo de salvaguarda tecnológica com os EUA para tornar viável a Base de Alcântara e as negociações dos acordos comerciais, em especial com a UE e com o Canadá, além da definição do que queremos do Brics, que se reunirá em nível presidencial no Brasil. A resposta à campanha de descrédito do Brasil no exterior deveria merecer atenção especial do novo governo.
Caso se mantenham algumas medidas já anunciadas, não serão tranquilas as perspectivas da ação externa do futuro governo. Os objetivos maiores da continuidade da política externa aconselhariam que temas sensíveis, como a mudança da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, a relação com Taiwan, a saída unilateral do Mercosul e do Brics, a suspensão da relação com Cuba e a associação à Otan, sejam discutidos levando em conta, sobretudo, os interesses nacionais e as implicações políticas e mesmo econômicas e comerciais. A dar crédito a informações vindas da equipe de transição, seria preocupante o esvaziamento do Ministério das Relações Exteriores pela retirada de competências relacionadas às negociações comerciais, ao acompanhamento dos contenciosos na OMC e às atividades de promoção comercial, inclusive quanto à manutenção da Apex na Chancelaria.
Espera-se que a partir de 2019 a ação do Itamaraty não repita as estripulias do PT com sinal trocado: em vez de ênfases nos países bolivarianos e de esquerda, aproximação, sem qualificações, com países conservadores, afins ideologicamente ao novo governo.
O futuro ministro terá a responsabilidade histórica de continuar a fortalecer a Casa de Rio Branco e manter as linhas permanentes da atuação externa como política de Estado, e não do governo de turno.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 13/11/2018