Recentemente, o Ministério de Minas e Energia (MME) colocou em consulta pública a minuta do Plano Decenal de Expansão de Energia 2029 (PDE 2029). Em grandes números, a minuta estabelece investimentos de R$ 2,3 trilhões em infraestrutura energética até 2029. Deste total, 77,6% serão absorvidos pelo setor de petróleo e gás, 19,6% pela área de geração e transmissão de energia elétrica e 2,3% serão destinados ao aumento da oferta de biocombustíveis. O documento é resultado dos estudos de planejamento setorial realizado por equipes do MME e da EPE. No entanto, um olhar meticuloso possibilita verificar que o PDE 2029 precisa, de fato, de aperfeiçoamentos.
As projeções realizadas no PDE para o mercado de gás natural, foco de intensos debates, estão em nítido descompasso com as expectativas do programa “Novo Mercado de Gás Natural”. No lançamento do programa, os ministérios de Minas e Energia e da Economia, que encabeçam a iniciativa, apresentaram investimentos da ordem de R$ 32 bilhões em gasodutos de escoamento, transporte e Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs). Além disso, o gás associado ao pré-sal resultaria em aproximadamente R$ 7 bilhões anuais em Royalties e ICMS adicionais aos Estados produtores. A visão dos ministérios em questão mostra-se bem mais adequada às propostas dos programas de expansão do gás lançados, do que a minuta posta em discussão.
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O “Novo Mercado de Gás” tem como um de seus objetivos assegurar o aproveitamento do gás natural associado ao pré-sal e da bacia de Sergipe/Alagoas, além de garantir novas descobertas. Nesse sentido, a geração termoelétrica será a alavancagem dos investimentos necessários para a produção e escoamento do gás do pré-sal, atraindo os empreendedores dispostos a monetizar os recursos necessários.
A inauguração do gasoduto Rota 3, prevista para 2020, ampliará a capacidade de escoamento de gás natural associado ao pré-sal em 44 milhões de metros cúbicos por dia, o equivalente a uma oferta de 10 GW para a geração termoelétrica. A oferta de 3 GW de usinas termoelétricas (UTEs) no Nordeste seria suficiente para viabilizar a produção e o escoamento do gás da bacia de Sergipe/Alagoas, garantindo a segurança energética para a região.
Entretanto, o PDE 2029 traz somente uma análise para avaliar a competitividade das UTEs a gás natural nacional, considerando apenas uma redução no preço futuro do gás associado ao pré-sal. No cenário de referência do documento, há a indicação do acréscimo de apenas 1.600 MW aos 1.000 MW de UTEs com gás natural do pré-sal, único montante de geração termoelétrica inflexível considerado. Todas as demais UTEs consideradas são flexíveis, o que caracteriza a utilização de GNL em vez do abundante gás do pré-sal. Nota-se aí outro descompasso com as expectativas do “Novo Mercado de Gás”.
Na justificativa da EPE, a inflexibilidade termoelétrica pode ser atrativa para o sistema, desde que o seu custo de operação compense a geração compulsória em momentos de grande oferta renovável. Contudo, o benefício desse recurso é decrescente, dado que, no longo prazo causará vertimento de usinas hidroelétricas, segundo o próprio PDE 2029. Tal afirmação parece desprovida de respaldo técnico, uma vez que não há termo de comparação entre segurança elétrica e energética e vertimento, pois são quantidades de efeitos completamente diferentes, mostrando claramente que o Plano desconsidera os atributos das fontes.
Observa-se que a comparação apresentada no PDE precisa de maior respaldo, uma vez que não são considerados, por exemplo, os atributos de segurança elétrica e energética da geração termoelétrica. O custo associado à falta de segurança elétrica e energética é muito superior ao custo de vertimento.
No setor elétrico, tal como o gás, o biogás pode ser um back up da produção hídrica, em épocas de pouca chuva, e para fontes intermitentes, como a solar e a eólica. Ressaltando que o biogás apresenta um alto fator de capacidade, com preços muito competitivos. Diante do aumento da complexidade operativa do Sistema Interligado Nacional, dada a elevada expansão de fontes renováveis, é de fundamental importância que o PDE considere uma adequada complementação de geração termoelétrica.
O biogás é uma alternativa de termoeletricidade com renováveis. O combustível, que também ganhou um novo impulso com as perspectivas de mudanças na legislação do gás, tem uma projeção tímida no novo PDE. No PDE 2029, o biogás é uma opção de energético para as usinas térmicas a biomassa, conjunto para o qual projeta-se expansão de 2,4 GW no decênio do estudo, dos quais 584 MW já estão contratados. O acréscimo indicativo é de 1.860 MW, sendo 11% referentes ao biogás, que vem atrás das UTEs a cavaco de madeira (32%) e a bagaço de cana (57%).
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Para agentes do mercado, a expectativa é de que a abertura do mercado favoreça a produção de biogás em regiões do interior do país desprovidas de gasodutos, cumprindo papel complementar ao do gás natural. Neste contexto, o biogás pode apresentar-se como solução.
Um estudo de planejamento energético deve estar em compasso com as ações do governo, além de considerar as contribuições dos agentes do setor. É fundamental que se considere o planejamento integrado entre os setores elétrico e de gás natural. Um Plano Decenal tal como o da minuta, com descompassos em relação aos recursos de gás natural do pré-sal, deixará os investidores em geração termoelétrica, fornecedores e produtores de gás natural com nível de incerteza muito grande.
Fonte: “Poder 360”, 10/12/2019