No início do mês falei em um seminário sobre os 30 anos da Constituição Federal, ocasião em que aproveitei para rever as inúmeras emendas que essa já recebeu na área da economia. Ao todo, pelas minhas contas, foram 24 emendas sobre temas econômicos, a maioria relativa a questões fiscais ou voltada para diminuir o viés estatizante e nacionalista da Carta de 1988. É uma interessante viagem pela história da política econômica brasileira desse período.
Uma boa parte dessas emendas foi aprovada no início dos mandatos dos presidentes que governaram o país nesse período. Isso porque é no primeiro ano de mandato, em especial no primeiro semestre, que a chance de o novo presidente obter a chancela do Congresso para as suas propostas é maior, em função da legitimidade que o processo eleitoral lhe confere. Isso vale não só para as emendas à Constituição, mas também para projetos de lei em geral.
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Essa dinâmica, claro, complica o ato de governar. Isso pois os novos governos precisam apresentar com rapidez propostas técnica e juridicamente bem desenvolvidas e que sejam palatáveis aos congressistas. Bem mais fácil seria ter, digamos, a primeira metade do mandato para construir essas propostas, para só depois submetê-las ao Congresso.
O governo Bolsonaro vai enfrentar esse mesmo dilema – e o seu posicionamento até aqui tem gerado certa apreensão sobre se ele saberá aproveitar essa janela de oportunidade para aprovar as reformas que o país mais precisa. Há vários erros em que ele pode incorrer: ele pode eleger as prioridades erradas, gastar tempo demais preparando suas propostas, pode priorizar reformas complexas demais para o Congresso rever nesse período etc.
Em relação a que prioridades eleger, me parece que não há muita escolha: a reforma da previdência tem de ser a primeira opção. Só ela tem o poder de alterar de forma permanente a preocupante dinâmica das contas públicas. Claro, ela pode não ser suficiente, e também se precisar de outras medidas fiscais, mas ela é necessária.
Várias críticas são feitas à reforma da previdência em discussão no Congresso. Algumas ficaram para trás com as eleições, mas permanecem outras, mais centradas em não ser a reforma ambiciosa o bastante. Em especial, há quem defenda que se instaure logo um regime de capitalização. Eu entendo que isso seria um erro: desenvolver essa proposta a ponto de poder submetê-la ao crivo legislativo levará muito tempo e não há garantia de sucesso. Melhor avançar o quanto antes com a reforma Temer: ela já é conhecida, do Congresso e da sociedade, e está madura para ser votada. Aprová-la vai ajudar muito e não impede que outras alterações sejam feitas no futuro.
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O governo também pode errar se não priorizar as reformas econômicas. Esse é um risco importante, pois a plataforma que levou Jair Bolsonaro à Presidência foi mais voltada para temas de segurança pública e valores morais do que problemas econômicos, de forma que seria compreensível que esses, e não a economia, fossem a prioridade. Porém, sem a economia se recuperar, dificilmente o governo terá meios para avançar nessas outras áreas. Na mesma linha, penso que seria um erro incluir no primeiro pacote de propostas reformas reconhecidamente complexas e sem consenso, como a tributária.
O governo Temer repassará a Bolsonaro uma economia em muito melhor forma do que a que herdou. O PIB está se recuperando, lenta mas consistentemente, a inflação está baixa, os juros também, o déficit público tem diminuído aos poucos, as famílias e empresas se desalavancaram financeiramente, e inúmeras reformas importantes ajudaram a dar mais solidez à economia, do Teto de Gastos à Trabalhista, passando pela criação da TLP e pelas melhoras na regulação do setor petrolífero.
Se o novo governo for capaz de aproveitar a lua de mel dos primeiros meses para aprovar as reformas certas, a confiança de empresas e consumidores vai se recuperar e o crescimento econômico vai acelerar, ajudando com o ajuste fiscal e mantendo elevada a popularidade do presidente. Isso manterá aberta a janela para a aprovação de mais reformas. Porém, caso se perca na seleção e/ou no tempo das reformas, a confiança e a popularidade vão cair e a economia pode voltar à recessão, especialmente se o ambiente externo piorar para os emergentes, como se espera que aconteça.
Vamos torcer para que o presidente eleito e sua equipe saibam aproveitar essa oportunidade para fazer a coisa certa.
Fonte: “Site Armando Castelar”, 05/11/2018