Uma das bases do crédito é o acesso a informações fidedignas. Sua coleta, análise e guarda estão estruturadas em birôs de crédito (incluindo as classificadoras de risco) com origens no século XIX e nos cartórios, que operam desde o Brasil colônia.
Atualmente, cuidam dos registros de 156 milhões de CPFs e 11 milhões de CNPJs responsáveis por 365 milhões de relacionamentos bancários e um volume maior ainda de não bancários. Os serviços mais conhecidos são os protestos, as negativações, as notas de risco de cidadãos e empresas, o reconhecimento de firmas e a autenticação de documentos.
Avanços tecnológicos como a biometria, o big data e a blockchain têm o poder de revolucionar o processamento dessas informações, baixando custos, melhorando a qualidade das análises de risco e aumentando a segurança na certificação de transações e na identificação de cidadãos.
A biometria por meio de características da face, da íris, da retina, das veias e da voz pode rapidamente reconhecer um cidadão com mais segurança que os métodos tradicionais. Substitui com vantagens a necessidade de apresentar documentos em controles de identidades nas situações mais diversas.
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A blockchain permite o armazenamento descentralizado de registros seguro. É um livro razão público compartilhado, estruturado de forma a adicionar transações cronologicamente. Desde qualquer computador é possível consultar, copiar e validar as informações. Seu uso para apontamentos de protestos, escrituras, promissórias dadas como garantias e CDBs é mais seguro e barato que o atual.
O big data trata da captura e análise de conjuntos de dados volumosos e complexos. Progressos nos métodos de processamento dessas informações permitem decisões mais fundamentadas. Tornam as análises de risco mais precisas, rápidas e com custos menores.
Apesar do potencial desses avanços, seu uso no Brasil é capenga. A biometria em vez de substituir outras formas de identificação tornou-se um item a mais. A Justiça Eleitoral tem um cadastro, a Polícia Federal outro e cada banco o seu exclusivo. Quando o razoável seria um único registro com todos os dados biométricos e outros de cada cidadão. Seu potencial para simplificar o dia a dia em acessos a estabelecimentos, validação de transações, atendimento médico de urgência e outros é considerável.
A blockchain poderia ser usada para registros de informações cadastrais de clientes, notas de crédito (ratings), pontualidade em pagamentos. O big data permite análises de risco de crédito mais precisas, velozes e a custos mais baixos.
O tratamento da informação motivou ações institucionais do governo. O Congresso Nacional aprovou medidas que facilitam o acesso a informações e protegem o consumidor de alguns maus usos. Um destaque é que o histórico de pontualidade nos pagamentos e o volume de empréstimos anteriores quitados poderão ser incluídos nos registros.
Melhores informações e análises mais sofisticadas permitem classificações de risco mais precisas e, consequentemente, menos inadimplência. Todavia, não há motivos para pressupor que as medidas legislativas terão um impacto no custo do crédito para o tomador, como está sendo anunciado.
Com mais elementos do devedor, o resultado é que a assimetria informacional aumenta, favorecendo quem empresta, sem estímulos para repassar parte dos ganhos de conhecimentos ao tomador. Pelo contrário, pode até agravar a posição do devedor. O quadro institucional de informações de crédito está estruturado sob a ótica do credor e não do tomador.
Em suas origens, tinha que ser assim. A tecnologia era a de registros em papel, a coleta de informações era manual, as análises com critérios subjetivas e a velocidade das transações comerciais baixa. A realidade mudou e a função do crédito é outra. A proposta deste artigo é que sejam feitos alguns ajustes que podem catalisar os efeitos positivos das novas tecnologias e corrigir algumas distorções existentes.
O primeiro é divulgar o risco de crédito de cada tomador em todos os birôs e bancos que tenha cadastro. Associado à obrigação das instituições manterem registrada a marcação original quando concederem um financiamento.
Um complemento à proposta anterior é a de preço único. Cada instituição financeira e comercial tem total liberdade para fixar as taxas consistentes com sua estratégia, todavia, para o mesmo risco de operação deveria cobrar o mesmo preço. Essa informação seria pública e os correntistas receberiam em seu extrato as linhas e limites disponíveis e seus custos. Poderiam comparar rapidamente as alternativas na mesma instituição e com as concorrentes. Seria algo semelhante ao que o comércio pratica: uma tabela única com todos os produtos e seus preços.
Outra sugestão é fazer o cadastro positivo interativo. Possibilitando que o usuário acompanhe eletronicamente suas informações. Por um lado, haverá mais precisão com o interesse do tomador de crédito pela atualização de seus dados cadastrais e a retificação de erros. Por outro, o mesmo serve como um instrumento de educação financeira para o usuário ao conhecer melhor o que determina sua qualificação e o custo de seu dinheiro.
Há mais que pode ser feito. As regras de anotações e protestos de morosidade também podem ser aprimoradas, fixando prazos mínimos e avisos prévios. A definição clara do que pode ser divulgado dos cadastros e para quem deve ser estabelecida. Os preços para acesso a esses dados e a defesa dos direitos de consumidor também devem ser objeto de medidas.
Pode-se também abrir essas bases de dados a empresas que se especializariam apenas em dar notas de crédito, sem terem a guarda deles, aumentando a eficiência na avaliação do risco.
As medidas propostas têm o potencial de facilitar a vida de cidadãos e de empresas e de melhorar a qualidade de concessão de crédito do comércio e do setor bancário com ganhos para toda a sociedade. A questão mais importante é mudar os modelos de negócios dos birôs e dos cartórios. São anacrônicos, porem rentáveis.
Fonte: “Valor Econômico”, 14/08/2018