Ainda é preciso esperar os detalhes para conhecer os efeitos da proposta do governo para a reforma da Previdência para os cidadãos e as contas públicas. Dois fatos, contudo, já ficaram claros da reunião que estabeleceu ontem as idades mínimas de aposentadoria: 65 anos para homens e 62 para mulheres.
Primeiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, saiu vitorioso em seu primeiro embate. Não obteve a igualdade que queria para os dois sexos, mesmo assim conseguiu um período de transição menor (10 anos para homens e 12 para mulheres) e regras que, se aprovadas, garantiriam a economia mínima de US$ 1 trilhão aos cofres públicos ao longo de dez anos.
Segundo, a resistência aos termos da reforma partiu do próprio presidente Jair Bolsonaro, que insistiu na promessa de aposentadoria aos 62 anos. Pelas regras de transição, homens poderão se aposentar aos 61,5 anos ao final de seu mandato, dado que interpreta como cumprimento do prometido.
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Na primeira rodada, o enfrentamento se deu entre Guedes e Bolsonaro, secundado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que defendeu uma proposta ainda mais fraca. Vencida essa fase, Guedes se vê agora diante do desafio maior: convencer o Congresso Nacional, num clima político abalado pela crise em torno do ministro Gustavo Bebianno e do vereador Carlos Bolsonaro.
De acordo com uma pesquisa com parlamentares divulgada dias atrás, não há maioria para aprovação das principais propostas da equipe econômica (leia mais aqui). Nem para as idades mínimas, nem para as regras de transição, nem para a desvinculação dos valores dos benefícios assistenciais do salário mínimo.
O governo trabalha diante de uma subida íngreme. Que concessões pode fazer para obter os votos de precisa? Não há mágica na política. Há apenas duas ordens de medidas que podem satisfazer parlamentares. Ambas implicarão perdas para Bolsonaro.
A primeira é o Congresso desidratar ainda mais a proposta encaminhada, como fez o governo Michel Temer. A idade mínima inicial acabou reduzida de 65 para 63 e 57 anos, e metade das economias imaginadas na proposta original evaporaram nos corredores das comissões, desvãos e saletas do Legislativo.
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Para evitar o derretimento das economias e a aprovação de uma reforma incapaz de satisfazer às necessidades da sociedade, o governo dispõe de outra arma que sempre funcionou para seduzir os reticentes: cargos e salários no Executivo, além de recursos de emendas parlamentares. Eleito com a promessa de acabar com o “toma lá, dá cá”, Bolsonaro poderá se ver pressionado a adotá-lo, sob pena de a reforma da Previdência naufragar.
Na falta de uma base parlamentar consistente, a tentativa de estabelecer uma “nova política” que prefere negociar com frentes parlamentares a tratar com partidos enfrentará seu primeiro teste real a partir da próxima quarta-feira, quando o texto da reforma será encaminhado ao Congresso.
Até agora, nenhum político foi chamado para negociá-lo oficialmente. A tarefa cabe em princípio a Rogério Marinho, nome escalado por Guedes para tratar com os congressistas. O poder de ambos para lhes conceder o que pedirem em postos no governo ou emendas no Orçamento é rigorosamente nulo.
Apenas o presidente da República poderá exercer a mediação entre as diferentes alas de seu governo para obter apoio à reforma. Nessa hora, não adianta recorrer aos aplausos fáceis do Twitter, nem tentar mobilizar a população em “lives” no Facebook. A reforma da Previdência só sairá se ele souber fazer política.
Será preciso estar preparado para enfrentar a revolta inevitável nas redes sociais quando for obrigado a ceder a alguma forma de “toma lá, dá cá”. Nem Paulo Guedes, nem Onyx, nem o vice Mourão, nem os filhos, nem ninguém mais tem mandato para exercer a principal tarefa de Bolsonaro no governo: fazer política.
Fonte: “G1”, 15/02/2019