Na surdina, os deputados incluíram na madrugada de quarta para quinta um artigo na votação da nova lei de reforma política que obriga a retirada da internet, sem autorização judicial e em até 24 horas, de “discurso de ódio”, “informações falsas ou ofensa” a partido, coligação ou candidato.
O pretexto alegado pelo autor da ideia, o deputado fluminense Áureo (Solidariedade), é apenas suspender o conteúdo anônimo, até que provedores e redes sociais verifiquem a identidade dos autores. Na prática, o artigo abre uma brecha para que candidatos mandem retirar do ar tudo de que não gostam, sem intervenção do Judiciário.
É certo o próprio candidato avaliar se uma informação é falsa ou ofensiva? Não há outra palavra para descrever isso: é censura, vetada pelo artigo 220 da Constituição. Várias organizações e associações de defesa da liberdade de expressão protestaram. Todas solicitam que o presidente Michel Temer vete o artigo. Ele tem até hoje para tomar a decisão, a tempo de que valha para as eleições de 2018.
Embora a censura seja a solução errada, a tentativa dos parlamentares se destina a resolver um problema real: a proliferação de notícias falsas e as guerrilhas virtuais, que têm tumultuado eleições em todo o mundo.
É possível estabelecer regras civilizadas no ambiente anárquico das redes sociais? Pode haver motivos razoáveis para o anonimato, como protestar sob regimes ditatoriais ou mesmo vazar denúncias para a imprensa. Mas até que ponto Google, Facebook e Twitter não se apoiam nesse tipo de argumento para evitar combater o conteúdo falso que ajuda a alavancar sua audiência?
“O anonimato propiciado pelo Twitter é um escudo que revela o pior nos seres humanos”, escreve Jonathan Taplin no livro recém-lançado “Move fast and break things” (“Mova-se rápido e quebre coisas”). Funciona como o anel de Giges da República de Platão: ao tornar seu portador invisível, o transforma em criminoso potencial.
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Desde a Primavera Árabe, as redes sociais têm sido exalatadas como veículos de disseminação da democracia. A realidade mostra que tal visão é parcial, apenas um pretexto usado por empresas da internet para evitar criar normas transparentes. “A democracia prospera por causa de vozes concorrentes”, diz Taplin. “Se o Facebook se torna minha fonte primária de notícias, com poder de filtrar o que vejo, então a praça pública não existirá mais.”
Para entender isso, basta analisar o próprio caso da Primavera Árabe. “A mesma ferramenta nos uniu para derrubar ditadores acabou por nos dividir”, diz o egípcio Wael Ghonim, organizador dos protestos da Praça Tahrir, no Cairo, que derrubaram o ditador Hosni Mubarak. As redes sociais, segundo Ghonim, foram úteis para organizar os protestos, mas inúteis para organizar a oposição quando Mubarak caiu. O Egito voltou a ser governado por militares após um violento golpe de Estado em 2013.
Ghonim afirma que as redes sociais têm cinco efeitos nocivos: 1) disseminam boatos que confirmam preconceitos; 2) criam bolhas em que só ouvimos aqueles com quem concordamos; 3) criam incentivos à violência e à agressão verbal em qualquer discussão; 4) dificultam a mudança de opinião, mesmo diante de evidências; 5) favorecem comentários rasos que viralizam, em vez de discussões profundas ou engajamentos que esclarecem.
Ninguém tem dúvida de que sociedades democráticas precisam lidar com tais questões. O caminho é criar responsabilidades legais para as empresas que mantêm as redes sociais. Se Google, Facebook e Twitter vivem de anúncios e precisam de audiência, devem ser responsáveis pelo conteúdo que veiculam, como qualquer empresa de comunicação. Mas censurá-los, como querem os parlamentares, só contribui para agravar o problema.
Fonte: “G1”
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