O governo Michel Temer defende a revisão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que a pena somente deve ser executada depois de esgotados todos os recursos da defesa, o chamado trânsito em julgado.
Em outubro do ano passado, por seis votos a cinco o Supremo decidiu pela admissibilidade da prisão após condenação em segundo grau, ao negar liminar em ações ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Partido Ecológico Nacional. O tema voltará a ser analisado no plenário em breve, uma vez que o relator Marco Aurélio Mello pretende liberar os processos para julgamento de mérito. Além da Presidência, o ministro solicitou informações ao Senado e à Câmara.
Aquela primeira decisão do STF, segundo a AGU, “flexibilizou” o princípio da presunção de inocência. “Em nosso regime constitucional, a presunção de inocência é direito fundamental e seus conteúdo e alcance influenciam todo o arcabouço jurídico criminal”, argumentou o órgão do governo.
A possibilidade de revisão do entendimento sobre o tema no Supremo agora deve depender da posição do ministro Alexandre de Moraes, sucessor de Teori Zavascki, morto em janeiro, e indicado por Temer. A corrente vencedora teve votos de Teori e Gilmar Mendes. No entanto, posteriormente, Gilmar passou a concordar com o voto de Dias Toffoli, no sentido de que a pena deveria aguardar recurso especial no Superior Tribunal de Justiça para ser executada.
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É possível, porém, que Rosa Weber faça uma mudança na direção contrária à de Gilmar, aderindo à visão de que é possível a prisão após condenação em segunda instância. Ela já afirmou que “continua refletindo” sobre o tema. Se essas duas alterações se confirmarem, o placar estará empatado e o peso do voto decisivo estará com Moraes.
Independentemente da retidão das posições defendidas, uma eventual revisão do entendimento sobre o tema no STF pode, na prática, melar o trabalho da Operação Lava Jato, comprometer gravemente o esforço de combate à corrupção e desembocar no pântano da impunidade.
Na verdade, a possibilidade concreta de cadeia, consequência da condenação em segunda instância, acionou, à direita e à esquerda, o alerta vermelho no submundo da cultura da corrupção. Por trás dos embargos e recursos dos advogados, ferramentas legítimas do direito de defesa, o que se oculta é um objetivo bem determinado: a impunidade. A bandidagem conhece a morosidade do Judiciário e aposta todas as fichas na prescrição dos crimes. Trânsito em julgado, no Brasil, é o outro nome da impunidade.
Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que se vislumbra na onda de corrupção que corrói o presente e compromete o futuro, manifestam profundo desalento. “Não vai acontecer nada. Os bandidos não estão na cadeia, mas no comando do Brasil” — esse comentário me foi enviado por um jovem universitário. É tremendo, pois reflete o sentimento de muita gente.
O que você, amigo leitor, pode fazer para contribuir para a urgente e necessária ruptura do sistema de privatização do dinheiro público, que se enraizou nas entranhas da República?
Em primeiro lugar, pressionar as autoridades. O STF, por exemplo, deve sentir o clamor da sociedade. Impõe-se a execução das penas do julgamento em segunda instância. A Suprema Corte pode dar o primeiro passo para a grande virada. Se os condenados em segunda instância, responsáveis pela instalação de uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro, pagarem por seus crimes, sem privilégios nem imunidades, o Brasil mudará de patamar.
Está nas mãos do Supremo assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou — Deus não queira — virar as costas para a cidadania. A sociedade tem o direito de confiar nos ministros do STF. Eles saberão honrar suas togas e sua biografia. Os brasileiros esperam que os ministros respondam à indignação da sociedade.
Não podemos mais tolerar que o Brasil seja um país que discrimina os seus cidadãos. Pobre vai para a cadeia. Poderoso não só não é punido, como invoca presunção de inocência, submerge estrategicamente, cai no esquecimento e volta para roubar mais. Registro memorável discurso do ministro Marco Aurélio Mello quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral: “Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam — o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito”. De lá para cá, infelizmente, a coisa só piorou.
Uma democracia se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário, não obstante decepções pontuais, bastante razoável e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, somente serão acordadas se a classe média, o fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder.
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperamos, todos, que o Supremo Tribunal Federal, instituição exemplar ao longo da História deste país, não decida na contramão da cidadania. A admissibilidade da prisão após o recurso em segundo grau pode mudar a cara do Brasil.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 23/10/2017.
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