De maior troféu da Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se transformou no maior estorvo. Depois de condenado, Lula fez um escarcéu para não ser preso. Agora, para espanto dos que bradam o slogan “Lula livre”, não quer ser solto.
Não é difícil entender por quê. É uma decisão política. Nada como posar de vítima de injustiça, depois ser inocentado e sair da prisão nos braços do povo. De populismo, Lula entende como poucos.
Também é política a decisão dos quinze procuradores que assinaram o pedido para que a lei de progressão de pena seja cumprida no caso de Lula. Como já cumpriu um sexto do período a que foi condenado e tem bom comportamento, Lula já tem direito a ser transferido ao regime semiaberto, monitorado por tornozeleira eletrônica.
Prestes a enfrentar uma sucessão de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirão o futuro da operação, a Lava Jato sempre foi maior que Lula. Antes, ele era útil para mostrar ao mundo que poderosos agora também iam presos no Brasil. Na atual circunstância, mantê-lo preso se tornou um incômodo.
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Tanto que os procuradores da força-tarefa até abriram mão de exigir o pagamento da multa de R$ 2,4 milhões, determinada na condenação, condição em geral necessária para a progressão da pena. Não se tem notícia de caso similar. A benevolência com Lula é também um argumento favorável à Lava Jato, num momento em que a operação enfrenta uma série de reveses no Supremo (leia mais aqui).
As mensagens furtadas de aplicativos de mensagens dos procuradores e do ex-juiz Sergio Moro, reveladas pelo site The Intercept Brasil, levantaram a suspeita de que havia uma perseguição para prender Lula. Os procuradores e Moro negam – e dizem que nada fizeram de errado.
Caberá ao Supremo decidir quem tem razão, quando julgar nas próximas semanas a suspeição de Moro no caso que levou Lula à cadeia, em que é acusado de ter recebido como propina um apartamento no Guarujá. Pelo clima anti-Lava Jato que tem se disseminado na Corte, as chances de anulação da sentença contra Lula não são desprezíveis.
Diante disso, estar preso e sair inocentado é politicamente mais vantajoso para Lula que usufruir o benefício a que já tem direito. Para Moro e a Lava Jato, seria a derrota suprema. Renderia cenas opostas às de abril do ano passado, quando Lula foi preso depois de falar num comício diante das câmaras.
O STF também deverá tomar até o final do ano outras decisões de impacto nos casos envolvendo Lula. Decidirá ainda esta semana em que condições réus delatados devem apresentar as alegações finais depois dos delatores. O segundo caso em que Lula já foi condenado, relativo ao sítio em Atibaia, depende dessa definição. Não seria necessariamente inocentado, mas o processo demoraria mais para que o erro processual pudesse ser reparado, reduzindo a chance de que voltasse a ser preso.
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A segunda decisão de impacto do Supremo diz respeito justamente ao momento da prisão de réus condenados. Hoje, a pena é executada depois da sentença na segunda instância. Se o STF decidir que ela só valerá depois de esgotados todos os recursos, ou depois de uma sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as chances de Lula voltar à cadeia cairiam ainda mais.
Nada disso, contudo, acabaria com os problemas jurídicos de Lula. Além dos dois processos em que já foi condenado, ele é réu noutros sete, responde a uma denúncia e a um inquérito (leia mais aqui). Foi absolvido só num, derivado da delação do ex-senador Delcídio Amaral.
Nem os desafios jurídicos parecem interferir nos planos políticos de Lula. Ele parece determinado a sair da cadeia brandindo o argumento da inocência e da injustiça para atacar Moro, o presidente Jair Bolsonaro e construir a candidatura petista que desafiará o governo nas próximas eleições. Tudo gira em função disso. Usar tornozeleira não está nos planos de quem almeja reconquistar o poder.
Fonte: “G1”, 01/10/2019