O Banco Mundial divulgou recentemente o relatório “doing business” 2010 , sobre a qualidade do ambiente de negócios no mundo, e o Brasil, para não perder o hábito, ficou perto das últimas colocações, mais precisamente na 129ª, de 183. Esse levantamento é baseado na análise quantitativa e qualitativa de 10 tópicos, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, custos relacionados com a contratação e demissão de pessoal, registro de propriedades, acesso ao crédito, proteção aos investidores, sistema tributário (carga e burocracia), comércio exterior e respeito aos contratos.
De cara, o que mais me chamou a atenção foram as inusitadas companhias do Brasil nas diversas tabelas que compõem o relatório. No ranking geral, por exemplo, somos precedidos por Micronésia e Marrocos e seguidos de perto por Lesotho e Tanzânia.
No que concerne à abertura de empresas e novos negócios, ocupamos a 126ª posição, ladeados por Kenya, Jordânia, Costa Rica e Malawi. Segundo o trabalho, seriam necessários, em média, 16 procedimentos – 120 dias – a um custo aproximado equivalente a 6,9% da renda per capta nacional para se abrir uma empresa no Brasil, enquanto na Austrália a única exigência é o preenchimento de um formulário, disponível na internet.
Já na questão do licenciamento para construção e operação, obtivemos a briosa 113ª posição, numa acirrada disputa com Filipinas (112ª) e Guiné-Bissau (114ª). De acordo com o relatório, são precisos exatos 18 diferentes processos, que consomem nada menos que 411 dias, para se obter todas as permissões determinadas pela burocracia pátria para se construir um depósito, por exemplo.
Já no quesito referente aos custos (financeiros, burocráticos e jurídicos) de contratação e demissão de mão-de-obra, somos quase imbatíveis: nossa fabulosa CLT e todos os seus penduricalhos burocráticos e assistencialistas, nos alçaram ao portentoso 138º lugar, exatamente entre Irã e Benin.
Digno de menção honrosa está o labirinto burocrático a ser vencido para registrar uma propriedade em Pindorama. O brasileiro (ou estrangeiro que inadvertidamente se aventure nessas paragens) necessita cumprir uma via crucis de nada menos que 14 diferentes passos (42 dias em média), além de arcar com um custo aproximado de 2,7% do valor da coisa, para obter um registro. Nossa posição nesse ranking é a 120ª, flanqueada por paquistaneses e tongalenses.
No quesito “acesso ao crédito” conseguimos uma pontuação, digamos, literalmente medíocre: aparecemos na 87ª posição, juntinho de Marrocos e Tanzânia. Nada mal!
No tocante à proteção dos investidores, que engloba a transparência de dados contábeis, responsabilidade civil (possibilidade de acionar dirigentes e funcionários por fraudes e má gestão), entre outros, obtivemos a alvissareira 73ª posição, porém, ainda assim, atrás da pujante economia do Nepal, embora à frente do Malawi.
Quando o assunto são impostos, conseguimos ficar quase na lanterna. Somos o 150º colocado, vinte posições atrás do socialista Zimbabwe, do inefável Robert Mugabe. Essa invejável posição é resultado de uma carga tributária equivalente a 69,2% do lucro bruto e de uma carga horária de trabalho estimada em 2.600 horas por ano gasta em atividades tributárias acessórias (processamento, contabilização, etc.). Para que se possa ter uma idéia do que isso significa, na Nova Zelândia uma empresa consome somente 70 horas por ano para pôr em dia os seus impostos.
No âmbito da burocracia no comércio exterior estamos na 100ª colocação, precedidos por Nicarágua, mas levando ligeira vantagem sobre potências do naipe de Suriname e Armênia. 100ª também é a nossa posição quando o assunto é fazer cumprir contratos. De acordo com o BM, são precisos 45 diferentes procedimentos, equivalentes a 616 dias e 16.5% do valor do débito, para se conseguir executar um contrato.
Para ver resolvido um processo de falência, estima-se que são necessários 4 anos. A expectativa de recuperação de créditos de empresas insolventes é de parcos 17 centavos por cada dólar de crédito. Esses números nos colocam na 131ª posição da tabela, atrás de baluartes da livre empresa como Guiana e Malawi (de novo!), porém à frente de Egito e Benin.
Mesmo diante das evidências acima, ainda há quem tenha o despautério de chamar esse ambiente econômico, verdadeiro pandemônio burocrático, legiferante e intervencionista, de neoliberalismo. Eu, que me satisfaço com pouco, ficarei contente no dia em que o país alcançar o estágio de economia de mercado. Liberalismo? Bem, com sorte podemos chegar lá daqui uns 100 anos.
(O Globo – 26/09/09)
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