Esta é a pergunta que todos já começam a se fazer diante da inevitabilidade da eleição do candidato Jair Bolsonaro do PSL. Nas pesquisas mais recentes, com 60% de votos, contra 40% do candidato do PT, ele parece praticamente eleito, com a “mão na faixa”. Mas e depois? O que esperar das propostas de governo e do que deve ser anunciado logo em seguida às eleições?
Os sinais parecem contraditórios. Vão se formando “balões de ensaio”, mais para testar a reação da opinião pública a partir dos primeiros esboços dos programas formulados. Dois grupos parecem protagonizar estas agendas: um considerado o “núcleo duro” e liderado pelo general Augusto Heleno e a turma de engenharia do Exército, outro, da área econômica, com formulações do economista de Chicago, Paulo Guedes, e os economistas da FGV do Rio de Janeiro e de outras instituições, dentro de um viés mais ortodoxo e liberal.
O problema é que em ambos os grupos algumas fricções já começam a surgir. Uma delas acontece no ambicioso programa de privatizações, concessões e venda de ativos em geral de Paulo Guedes, prometendo um caixa de até R$ 3 trilhões. Longe disso. Bolsonaro já comentou que 50 empresas estatais, criadas no ciclo petista, devem ser privatizadas. Não cogitou, porém, privatizar o chamado “miolo das grandes vacas sagradas do setor público”, como a Petrobras e a Eletrobrás, esta última, já considerado um retrocesso se nada for feito pela péssima gestão passada e prejuízos sucessivos. Neste setor se cogita a venda de distribuidoras, mas não de geradoras. A preocupação aqui é a com “sanha” dos chineses sobre o capital depreciado nacional. Para o setor de petróleo estariam abertas as vendas das refinarias, de empresas subsidiárias, como a Transpetro, de transportes, dentre outras.
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Falando da agenda de reformas, a da Previdência também parece ser objeto de ruídos na relação entre Bolsonaro e a turma do Paulo Guedes. Nesta se comenta que o regime passaria a ser o de capitalização, na qual os trabalhadores acumulariam recursos ao longo da vida laboral, para ter uma poupança a resgatar ao fim. Lembremos que o modelo atual é de repartição, na qual os aposentados recebem recursos arrecadados dos trabalhadores. Um nó surge na idade mínima. Bolsonaro, aliás, já se colocou contrário a PEC 287 do governo Temer na qual se definia a idade mínima em 65 anos para os homens e 62 para as mulheres. Bolsonaro defende uma transição ao longo do tempo e a idade mínima recuando a 61 anos para os homens e 55 mulheres.
Aqui, um dos pontos em discussão é a unificação dos dois regimes, da previdência do setor público (Regime Próprio da Previdência Social, RPPS) e do setor privado, pelo INSS. No total o déficit é explosivo, até agosto em R$ 123,3 bilhões, em 12 meses indo a R$ 192,5 bilhões. Neste total, cerca de 50% estariam no rombo para cerca de 1 milhão de servidores públicos e os outros 50% para 33 milhões de brasileiros, numa clara distorção. Boa parte, no entanto, estaria com os militares, cercados de privilégios e direitos adquiridos. Sobre isso, Bolsonaro parece “pisar em ovos”, defendendo uma categoria que sempre foi sua bandeira de luta em 27 anos de legislatura. Como fazer uma reforma de verdade sem atacá-los? O fato é que sem atacar este desequilíbrio já era o teto dos gastos, em muito, apoiado pela disciplina fiscal dos benefícios da Previdência.
Outros temas parecem evoluir, como os investimentos, na opinião de Guedes mais na mão do setor privado, pelo esgotamento fiscal. Um ponto aqui a ser debatido diz respeito à regulação, já que parece objetivo deste governo acabar com a contaminação política das agências. Na visão de Guedes estas precisam sair da órbita do Estado. Aqui ingressamos também na discussão sobre a autonomia do BACEN e na nomeação dos seus diretores. É outra missão de Guedes melhor definir esta questão. Além disso, muito se comenta que Ilan Goldfjan poderia permanecer no Banco, compondo a equipe de Guedes. Sobre isso, nada parece confirmado, com outros nomes também ventilados, como Luiz Fernando Figueiredo, hoje CEO da gestora Mauá, e no passado diretor do BACEN.
Comenta-se também num choque de competitividade para o setor produtivo, a partir de uma redução unilateral das tarifas de importação, hoje, em média, em 30%. Sobre a reforma tributária, dois impostos federais passam a valer, o IPI e o IR, além do IVA, com a fusão do ICMS, Pis Cofins e ISS, além de uma estratégia de unificação deste IR para pessoa física na alíquota de 20% e a isenção para até cinco salários mínimos. Outro ponto que parece avançar é o resgate do “tripé macro”, como o regime flutuante, a responsabilidade fiscal e o sistema de metas de inflação.
São várias propostas ainda em discussão. Nossa preocupação, no entanto, segue sendo uma possível tensão na relação entre Guedes e os militares, historicamente com “pendores nacionalistas e estatizantes”. Preocupa também a atual composição do Congresso, “balcanizado” pela pulverização de 30 partidos e forte diluição de representação. O PSL possui a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, contra 57 do PT, mas acredita-se entre as hostes do partido que os apoios possam chegar a 300. Neste debate, um dos pontos a avançar parece ser o esforço de tentar aprovar as medidas a partir dos acordos de liderança e não pelas bancadas e o tráfico de influência no passado recente. Melhor assim.