Existe um problema semântico a respeito dos termos envolvendo “Foro Privilegiado”. Não tanto quanto ao foro, mas à expressão “privilegiado”. Privilegiado para quem e a respeito do que?
Para abordar o assunto é fundamental encarar o erro conceitual da qualificação “privilegiado” em relação ao foro. Foro significa em qual circunscrição, quais os julgadores, as instituições e em quais condições o processo correrá entre as partes envolvidas.
O qualificativo “privilegiado” é totalmente inapropriado. Afinal, a própria Constituição proíbe situações de privilégio. É exatamente o que estabelece o Princípio Constitucional da Igualdade – tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, ou seja, oferecendo uma condição de equiparação entre as situações, sem privilégios, e sim equilíbrio de acesso e possibilidades.
Diante das considerações, fica evidente que o termo mais adequado para o foro é Foro Técnico ou algo semelhante.
STF pode estender o entendimento sobre foro privilegiado para ouros cargos
Em relação ao julgamento do STF sobre o assunto, que segue em deliberação, é impossível considerar isentos os votos dos ministros uma vez que, no mínimo desde 2010 a Suprema Corte abandonou as fundamentações técnicas em detrimento de decisões políticas.
Situações práticas que podem demonstrar tal quadro são expressas por alguns tribunais de ética e também pelos tribunais militares. Claro, dentro de limites bem estabelecidos.
Uma vez que a abordagem é técnica, o objetivo é distinguir o que cabe a cada juízo decidir. Assim, quando se está diante de uma questão técnica, administrativa, específica de uma função e suas obrigações profissionais, públicas ou privadas, é desejável que os julgadores tenham conhecimento científico a respeito do cargo ocupado pelo réu e de suas atribuições. Um juiz sem conhecimento do meio específico ou um júri distante da realidade do julgado podem, efetivamente, cometer erros crassos.
Imil quer saber: O que você acha do foro privilegiado?
Mas, quantas são as ocasiões reais em que tal quadro se firma? Erros cometidos por promotores, juízes, procuradores e advogados, erros relacionados com a profissão, devem, de fato, ser julgados por quem conhece o meio jurídico.
O mesmo vale para o Tribunal de Justiça Militar ao julgar policiais militares no exercício de suas funções. Nenhum cidadão comum conhece os detalhes e a praticidade do cotidiano das ruas em policiamento tão bem quanto os pares daquela profissão.
Existe sim, o risco do corporativismo. Mas é um preço menos amargo diante de julgamentos apenas com base em preconceitos e falta de informação.
Diante do que está em pauta no STF, vale refletir sobre o seguinte:
O foro privilegiado para deputados e senadores. Fora a perseguição política em tempos de ditadura, não existe qualquer motivo plausível para que um senador ou deputado tenha foro privilegiado. As funções são comuns à maioria da população – elaboração de normas e votação das mesmas. Qualquer improbidade sobre esse assunto pode ser decidido pela justiça comum. Não é preciso alguém especializado no assunto. Até porque as normas cada vez mais parecem regimentos internos de condomínios particulares, com direito à espancamentos entre os elaboradores.
+ João Antônio Wiegerinck: Você está atento ao trabalho no Judiciário?
Considerando o acima descrito, faz-se necessária a divisão entre as atribuições técnicas do servidor público, eleito, indicado ou o que seja, e as atividades cotidianas do mesmo.
Alguns dirão – isso já é feito. Contudo, os processos administrativos e os processos cíveis e penais não caminham em conjunto. E mais, na verdade, caminham bem dispersos de acordo com a influência do réu diante da máquina do Estado.
Poderiam os processos caminhar em absoluta harmonia, pois os sistemas eletrônicos já são capazes de tal tarefa. Mas isso não interessa aos réus e, também, à maioria dos julgadores.
O foro técnico, ou seja, o foro destinado a julgar os atos de uma pessoa no exercício de suas funções é bastante justificável. O que não é justificável é no que o Poder Judiciário transformou esse foro técnico em foro político, contaminando a confiança do cidadão no último guardião da Constituição, segundo a Carta Maior.
Nos últimos vinte e tantos anos lecionando e estudando o Direito Constitucional, fica bastante claro que, diante da falta de competência do Senado e da Câmara em elaborar normas voltadas realmente à necessidade do povo, o Poder Executivo aproveitou tal omissão e se arvorou como mandante, acompanhado de um Poder Judiciário embebido em seus egos, e bastante distante do povo que jurou proteger.
O capítulo dois dessas considerações fica para falarmos sobre o foro privilegiado que esperamos para nossos queridos e familiares.