A moeda única promoveu fortíssima queda do custo de capital na periferia da Europa. Grego, espanhol e português passaram a pagar juro de alemão.
A queda do custo do capital gerou um ciclo de crédito e de endividamento público e privado na periferia da Europa. A crise na região na década de 2010 obrigou a um forte ajuste fiscal nesses países.
As dificuldades econômicas dos países da periferia do euro e o sinal de que não havia inflação na Europa fizeram com que, em julho de 2012, o então presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, se comprometesse a prover toda a liquidez necessária para salvar a união monetária.
A mudança da política monetária e o ajuste fiscal na periferia reduziram o prêmio de risco pago pelos títulos de dívida desses países.
Em Portugal, o governo conservador do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho pilotou o ajuste fiscal e arrumou a casa que o socialista José Sócrates, que o antecedeu, deixara bem desarrumada.
Passos assumiu com a economia já em queda. De 2011 a 2015, o desempenho da economia portuguesa foi ruim. A taxa média de crescimento foi de -1% ao ano. No entanto, em 2015 os sinais de recuperação eram claros: crescimento de 1,8%. O deserto havia sido transposto.
Nas eleições legislativas de final de 2015, a coalizão conservadora, que liderou o país no ajuste, teve a maior votação: 36%, ante 32% do Partido Socialista (PS). Caminhava-se para que a coalizão conservadora continuasse a governar o país.
No entanto, a esquerda fez maioria. O PS, o Partido Comunista Português (PCP), e o bloco de esquerda (BE), espécie de PSOL lusitano, somaram 122 cadeiras no Parlamento de 230.
A extrema esquerda portuguesa, PCP e BE, é contrária ao capitalismo, à união monetária, à União Europeia e mesmo à participação de Portugal na Otan. O PCP e o BE não eram considerados parceiros sérios para compor um governo.
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O PCP iniciou um processo de mudança. Aparentemente, em razão da necessidade de participar
de um governo, dados o enfraquecimento dos movimentos sindicais e a necessidade de cargos para a sua burocracia, houve um aggiornamento do velho partido comunista.
O líder socialista António Costa enxergou a oportunidade que os sinais da liderança comunista emitiam e se formou essa inesperada coalização, por isso “geringonça”, que governa Portugal e que foi renovada
nas eleições do ano passado.
Apesar de fazer concessões ao corporativismo dos servidores públicos —salários foram elevados e a jornada de trabalho foi reduzida—, o ajuste fiscal foi mantido. Evidentemente, comprometeu-se a capacidade de investimento do Estado português.
António Costa operou muito bem e não se furtou ao exercício da política. Sempre que a esquerda radical exagerava, contava com a direita para manter o ajuste.
O momento crítico de seu governo foi em março de 2019, quando o Congresso iria votar a incorporação de inúmeros benefícios aos professores. Essa medida quebraria o Estado.
A direita resolveu jogar para a plateia e se juntou à extrema esquerda no apoiou à pauta-bomba.
O PS acompanhou o primeiro-ministro na manutenção da estabilidade fiscal. O primeiro-ministro, em discurso à nação, afirmou que, se a medida fosse aprovada, o gabinete cairia.
O povo português percebeu a importância de manter o equilíbrio fiscal e apoiou o primeiro-ministro. A direita recuou e saiu bem chamuscada do evento. Logo ela que tinha arrumado a casa.
A história está contada no volume “A Geringonça”, de Inês Serra Lopes. Há edição para Kindle.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 9/2/2020