No século 21, a tecnologia está definindo novas formas de emprego bélico nas guerras tradicionais. A inteligência artificial está abrindo espaço para armas e sistemas autônomos letais, robôs autônomos letais ou, ainda, robôs assassinos. Definidas como qualquer sistema de arma com autonomia em suas funções, essas armas podem selecionar (isto é, procurar ou detectar, identificar, rastrear, selecionar) e atacar (isto é, usar força bruta contra, causar dano ou destruir) alvos, sem intervenção humana.
Em paralelo a esses desenvolvimentos tecnológicos – que terão impacto na guerra como entendida até aqui –, a cibernética está inovando nas técnicas de enfrentamento sem o uso da força convencional. As ameaças globais nos dias de hoje estão se transformando rapidamente: operações online para influência e interferência em eleições, armas de destruição em massa e sua proliferação, terrorismo, contrainteligência e tecnologias destrutivas, ameaças à competitividade econômica, espaço e armamento no espaço, crime transnacional (armas e drogas), entre outras.
Na definição do teórico Clausewitz, “guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a executar nossa vontade”. A violência tem como objetivo controlar. O chinês Sun Tzu acrescenta que “a maior proeza militar é vencer sem combater”: a astúcia e a manipulação apresentam mais vantagens do que a agressividade para impor sua vontade sobre os outros.
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Já chegamos a esta fase de sofisticação bélica. A guerra cibernética, definida com a utilização de meios numéricos para desenvolver a função de controlar outros ou empresas, transforma radicalmente os três componentes históricos da guerra: a espionagem, a sabotagem e a guerra da informação, na linha observada por Sun Tzu.
Multiplicam-se informações sobre o uso da capacidade cibernética – inclusive na espionagem, ataque e influência com o objetivo de conseguir vantagem política, econômica e militar. Segundo se noticia, de um lado, China, Rússia, Irã e Coreia do Norte e, de outro, EUA, Israel, Reino Unido e França dispõem de meios cada vez mais sofisticados para obter informações de governos e de empresas, para influir na vida das pessoas e destruir a infraestrutura e objetivos estratégicos.
Na última década estes países desenvolveram e experimentaram, com crescente capacitação, técnicas para alterar informações e sistemas em outros países. Por anos, conduziram espionagem cibernética para recolher inteligência e colocar em risco a infraestrutura de outras nações. Mais recentemente, novos tipos de ataque cibernético foram desenvolvidos e a mídia social passou a ser usada para alterar o pensamento, o comportamento e as decisões, como ocorreu nas eleições americanas pela ação da Cambridge Analytica-Facebook. À medida em que bilhões de novos instrumentos digitais são conectados e integrados na vida cotidiana e nos negócios, competidores e adversários ganharão maior conhecimento para acesso às informações protegidas pelos governos e empresas.
O mundo entrou numa fase de guerra permanente: sem frente de batalha e sem regras de engajamento. Em 2016, agentes de inteligência da China conseguiram capturar instrumentos de espionagem da NSA e os reposicionaram para atacar aliados dos EUA e empresas privadas da Europa e da Ásia.
A guerra cibernética se assemelha à guerra insurrecional, com a diferença de poder planejar e executar a ação à distância, longe do inimigo. A utilização de algoritmos de inteligência artificial multiplicará o impacto das ações e criará no adversário novas vulnerabilidades. Será mais difícil a identificação de seus autores, pela utilização dos robôs para autorizar a difusão de falsas informações nas redes sociais ou para a disponibilização com livre acesso de algoritmos permitindo incluir pessoas em qualquer vídeo e de colocar em sua boca o que se deseje que ele diga. É possível que já estejam acontecendo operações de espionagem cibernética, de sabotagem ou de influência comandadas de maneira completamente autônoma, necessitando apenas do sinal verde de alguém.
Esta nova forma de ver as rivalidades e as estratégias adotadas pelas grandes potências globais está tratada de forma simples e direta no recente livro Cyber: a guerra permanente, de Jean Louis Gergorin e Leo-Isac-Dognin. O trabalho procura responder como a emergência do instrumento cibernético se instalou no centro da Guerra permanente e quais são as consequências dessa nova relação de forças.
O entendimento de que a tecnologia 5G possa ser explorada para espionagem e sabotagem de instalações de infraestrutura, rede de comunicação e centros financeiros passou a ser uma nova preocupação e está na raiz da proibição da compra de produtos da Huawei para as redes 5G públicas ou privadas nos EUA. A nova guerra fria entre os EUA e a China começou com o comércio, mas deve se deslocar rapidamente para a tecnologia, em que a China dá mostras de estar à frente de Washington nos avanços da aplicação da última geração 5G.
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No Brasil, nos últimos anos, instituições públicas e empresas têm sido objeto de ataques por hackers e por organizações no exterior. Em 2013 Edward Snowden, ex-contratado da NSA, tornou públicos detalhes do programa de espionagem da NSA, que espionava vários países, inclusive o Brasil. A vulnerabilidade do governo brasileiro foi admitida pelo então ministro da Defesa, como mencionei neste espaço em 2015 (Segurança Cibernética). Recentemente, o Itamaraty ficou paralisado por alguns dias, possivelmente depois de um ataque cibernético. Espera-se que o Centro de Defesa Cibernética do Ministério da Defesa tenha recursos adequados para desempenhar plenamente suas funções e tentar proteger governo e empresas desta nova forma de guerra, que está aí para ficar. O assunto é urgente.
Fonte: “Estadão”, 11/06/2019