Duas agendas competirão pela atenção do presidente eleito, Jair Bolsonaro, até a posse no início de janeiro. Não são antagônicas, mas diversas. A prioridade que conferir a cada uma delas determinará o rosto do futuro governo.
A primeira é a agenda interna, comportamental ou de segurança pública. Bolsonaro foi eleito com o apoio de grupos conservadores que gostariam de aprovar, já no início do governo, projetos que lhes são caros, como Escola Sem Partido, facilitação ao porte de armas ou redução na maioridade penal.
A segunda é a agenda externa ou econômica. Ela envolve a necessidade premente de equilibrar o Orçamento para reduzir o crescimento da dívida pública. São urgentes, até mesmo antes do início do governo, a aprovação da reforma da Previdência, a apresentação de um programa crível de privatizações e facilitação do ambiente de negócios.
Leia mais de Helio Gurovitz:
Política é o que importa
Precisaremos de outra oposição
Bolsonaro unirá o Brasil?
Quem determinará as prioridades será o Congresso. Bolsonaro tem capital político limitado para negociação, que começa a diminuir desde já, com a formação do ministério e a articulação para construir maiorias na Câmara e no Senado. O maior risco para ele é se embaralhar na execução das duas agendas. A dificuldade maior advém de suas características distintas.
Embora a redução da maioridade penal dependa de mudança na Constituição, vários projetos da agenda comportamental podem ser postos em prática apenas por meio de leis ordinárias (que exigem maioria simples) ou complementares (maioria absoluta). Bolsonaro não terá dificuldade em construir maioria na Câmara para aprovar esse tipo de medida, sobretudo se considerarmos o matiz conservador das bancadas eleitas no início do mês.
Mesmo no Senado, onde o cenário para o futuro governo se desenha mais desafiador, há recepção favorável aos projetos ligados à segurança. A tentação, para Bolsonaro, será aproveitar tal receptividade para colocá-los em pauta já no início da nova legislatura, em fevereiro.
Seria um erro. A agenda econômica, embora mais difícil (pois depende de emendas constitucionais que exigem dois quintos em duas votações nas duas Casas) e controversa (pois intefere em interesses corporativos estabelecidos e representados no Parlamento), é mais importante tanto para o país quanto para o governo.
+ Marcus Melo: Governabilidade dependerá de como Jair Bolsonaro enxergará sua vitória
A primeira patinada de Bolsonaro ocorreu quando seu articulador político e futuro ministro da Casa Civil, Oyx Lorenzoni, rejeitou a proposta do governo Michel Temer de suspender a intervenção federal no Rio de Janeiro, de modo a aprovar ainda este ano a reforma previdenciária que já tramita no Congresso. Nas entrevistas que deu ontem, Bolsonaro parece ter voltado atrás e, em tese, apoiou a ideia.
Não é o projeto ideal. Mas já foi debatido à exaustão. Corresponde à “média política” de todos os interesses articulados em torno do assunto. Embora as economias que represente para o caixa do Estado estejam, na forma atual, em 40% dos R$ 800 milhões inicialmente previstos para os próximos dez anos, ele resolve duas questões que deverão constar de qualquer plano de reforma.
Primeiro, impõe uma idade mínima para aposentadoria. Segundo, unifica as regras para os setores público e privado. Ainda não estabelece um sistema plenamente justo, pois categorias como professores ou militares ainda serão privilegiadas. Mas deixa o caminho aberto para aperfeiçoamentos futuros.
Na Previdência, como demonstra o debate bizantino a que o país foi submetido antes do início da campanha eleitoral, o ótimo é inimigo do bom. Aprovar a reforma em pauta ainda este ano daria fôlego ao novo governo para gastar seu capital político noutros temas também urgentes, como privatizações e demais itens da agenda econômica.
+ Gabeira: Uma virada à direita
Se, a partir de janeiro, tornarmos a viver os mesmos conflitos sobre a Previdência dos últimos dois anos, se o governo decidir, para mostrar serviço, despender seu capital político no caminho mais fácil e confortável da agenda comportamental, o resultado para o país será dramático. Será, aos olhos do mercado, uma resposta negativa a toda a esperança depositada em Bolsonaro.
A decisão sobre a Previdência começa, enfim, a mostrar que tipo de presidente o país elegeu no domingo: alguém disposto a enfrentar os nós que amarram o Estado e travam a economia – ou apenas um populista, disposto a agradar sua plateia vendendo nas redes sociais soluções fáceis para os problemas difíceis e renitentes, de que o Brasil não consegue escapar.
Fonte: “G1”, 30/10/2018