Não há dúvida de que a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno no plenário do Senado deve ser celebrada. Se tudo correr como programado, o texto final deverá ser votado em segundo turno ainda neste mês. Será um marco, uma espécie de “fim do começo” para o governo Bolsonaro.
É verdade que o texto sofreu um baque enorme nas economias previstas inicialmente. Levando em conta a estimativa do próprio ministério da Economia (diferente da elaborada pela Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado), a economia prevista inicialmente para a primeira década de vigência das novas regras era de R$ 1,24 trilhão para a União e de R$ 350 bilhões para estados e municípios, perfazendo um total de R$ 1,59 trilhão.
Essa valor foi severamente diluído no texto aprovado pela Câmara, a começar pela retirada dos estados e municípios da reforma. Depois de todas as alterações, a derrubada do critério mais rígido para a concessão do abono salarial (aprovada num destaque ontem à noite) reduziu o total para R$ 800 bilhões, apenas para a União. Equivale à metade da economia prevista inicialmente. Estados e municípios foram incluídos numa “PEC paralela”, de aprovação incerta.
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Os senadores deverão votar hoje novos destaques, em especial um que muda as regras de pensão por morte e outro que muda os critérios de transição para quem está no mercado de trabalho. Só essas duas mudanças poderiam reduzir em mais R$ 209 bilhões as economias ao longo de um década. Não há questão de que o valor final ficará bem aquém do trilhão inicialmente almejado pelo ministro Paulo Guedes.
Mesmo assim, será uma vitória do governo e um sinal positivo para a imagem do Brasil. O país terá aprovado uma reforma necessária e várias vezes adiada, num tema reconhecidamente espinhoso, envolvendo um sem-número de interesses estabelecidos. O resultado também traz duas lições que ainda não foram absorvidas nem pela classe política, nem pelo mercado financeiro.
A primeira tem natureza política. Saiu caro o novo estilo de negociação implantado pelo governo com o Parlamento. Depois da resistência inicial, Bolsonaro entrou como esperado na lógica do “toma lá, dá cá” para fazer seus projetos andar no Congresso. Usou como moeda de troca emendas parlamentares e a indicação de cargos em órgãos públicos no segundo escalão do governo.
Mas a sede dos parlamentares não se esgotou. Na ausência de uma coalizão governista estável, o governo está ao sabor de negociações no varejo, dependente da boa vontade dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre – e sem recursos infinitos à disposição para os agrados necessários ao avanço da agenda legislativa. Daqui para frente, será mais difícil. Já é possível sentir isso na tramitação da reforma tributária, transformada no confronto entre duas visões conflitantes, não por acaso uma do Legislativo, outra do Executivo.
A segunda lição é econômica mesmo. Quem esperava que a reforma previdenciária trouxesse um alívio às contas públicas capaz de tirar o país da beira do abismo fiscal deve refazer as contas. O dinheiro economizado só começará a fazer diferença para valer daqui a dois ou três anos, na melhor hipótese no final do mandato de Bolsonaro.
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Ainda por cima é pouco. Os R$ 80 bilhões de média anual (a levar em conta a versão atual do texto), mal fazem cócegas num orçamento hoje perto de R$ 1,5 trilhão, 94% engessado em gastos obrigatórios com salários e outras despesas, crescendo estruturalmente acima da nossa capacidade de sustentá-las com geração de riqueza. Ajuda, claro. Mas o desafio de enxugar o Estado permanece.
A reforma da Previdência é só o primeiro capítulo de uma batalha em várias frentes para redefinir tamanho, forma e missão do Estado brasileiro. Guedes tem uma visão particular a respeito da divisão dos recursos públicos, distinta da predominante no Parlamento. O andamento da reforma tributária já mostra que não haverá como evitar o conflito. Dias mais turbulentos se avizinham.
Fonte: “G1”, 02/10/2019