O Brasil sofre, já faz vários anos, uma epidemia de judicialização de diversas questões, versando sobre todos os assuntos, a favor ou contra, além do muito pelo contrário. Especialistas, baseados em estatísticas oficiais dos tribunais pátrios, falam em mais de 125 milhões de ações em andamento. Só o Estado de São Paulo tem mais de 40 milhões de processos ativos. E os demais Estados mantêm mais ou menos a mesma proporção absurda de um processo para cada dois habitantes, o que, estatisticamente, significaria dizer que todos os brasileiros são parte em pelo menos um processo.
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Este uso excessivo do Poder Judiciário como solucionador de problemas de todas as naturezas (o Supremo Tribunal Federal tem de julgar ações de condomínio e outras do gênero) tem como consequência a morosidade da Justiça. Algumas demandas levam mais de 20 anos para serem decididas e outras estão nas prateleiras dos tribunais há coisa de 70 anos.
Diz o desembargador José Renato Nalini que justiça que tarda não é justiça. O processo judicial existe para, dentro de um prazo razoável, levando em conta as tipicidades de cada processo, solucionar demandas e dar ao vencedor o uso do seu direito.
Se um processo incrivelmente complexo se arrasta por décadas, é provável que alguma coisa esteja errada. Mas quando o caso de uma simples batida de veículos, sem vítimas, leva mais de oito anos para chegar ao fim, com certeza alguma coisa está errada.
Essa é a realidade brasileira. E o melhor exemplo é que até os processos desenhados para serem rápidos, como os que tramitam pelos Juizados Especiais, demoram mais de cinco anos.
Será que alguém que espera cinco anos para receber a diferença do valor de um liquidificador está tendo justiça? E se, depois dos cinco anos, ele, ainda por cima, perder a demanda? A mesma pergunta vale para quem teve o para-lama do carro amassado numa batida com um ônibus. Será que receber a indenização oito anos depois resolverá o problema do conserto do veículo? Justiça que tarda não faz justiça, apenas minora um drama.
O uso do Judiciário para resolver problemas pode se transformar num problema maior ainda. Nenhum advogado pode assegurar ao cliente que vai ganhar uma ação. Por isso o quadro se agrava muito quando o autor (que tinha quase certeza de que ganharia a ação) descobre que perdeu e tem de pagar as custas e os honorários.
Curiosamente, em termos proporcionais, o setor de seguros não é um campeão de ações judiciais, mesmo tendo os planos de saúde dentro dele. Se dividirmos o número de processos pela quantidade de segurados, ou mesmo de apólices de seguros, o número de ações judiciais, de todas as naturezas, não chega a 2% do total.
Se, de um lado, apenas os planos de saúde privados autorizam mais de um bilhão e meio de procedimentos por ano, de outro, o número de processos envolvendo assuntos relacionados a seguros está na casa de algumas dezenas de milhares.
O problema é que esse número relativamente baixo é dramático para quem está envolvido num processo judicial que se arrasta por anos, discutindo um caso em que ele tem razão.
Com muitas ações em andamento, as seguradoras também vivem uma situação que não lhes é interessante. Há o custo administrativo desses processos, há o custo com advogados, mas há, principalmente, o custo com as reservas que necessitam ser constituídas e que bloqueiam recursos da companhia pelo prazo que as ações durarem.
E, mais relevante, há a possibilidade concreta da criação de jurisprudência que não lhes seja favorável.
Se o cenário é ruim para o segurado e para a seguradora, então qual é a solução? Ela existe e tem nome. Grande parte dos problemas envolvendo seguros poderia ser solucionada através de processos de mediação. A solução extrajudicial de conflitos é muito mais rápida, simples e barata do que um processo judicial. E a mediação pode se adequar perfeitamente à solução da maioria dos conflitos envolvendo seguros. É mais do que tempo da mediação começar a ser utilizada. Com ela, ganham todos.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 16/9/2019