O fim do foro privilegiado de deputados e senadores por unanimidade mostra que, apesar das diferenças de visão, o Supremo Tribunal Federal tem uma posição firme sobre o assunto, variando apenas a maneira de aplicar a decisão. Mesmo que os ministros que eram contra a proposta tenham aderido a ela apenas diante do fato consumado.
Quatro dos onze ministros ficaram vencidos na proposta de Alexandre de Moraes, que previa que o foro privilegiado seria mantido para os parlamentares durante o mandato, não importando que o crime tivesse sido cometido sem ligação com sua atuação parlamentar.
Mesmo assim, a proposta era um avanço, pois os parlamentares poderiam ser julgados por crimes passados, o que hoje não acontece. A maioria do Supremo decidiu, no entanto, avançar mais, e o foro só valerá para crimes cometidos no mandato e em função dele.
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O recebimento de propina na campanha eleitoral, por exemplo, será julgado na primeira instância, pois o candidato não tem foro privilegiado. O interessante é que essa maioria de 7 a 4 está prevalecendo nas recentes decisões do STF, mas a composição da maioria não se repete.
Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes têm votado em bloco, enquanto os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votam geralmente com a mesma posição. Os ministros Alexandre de Moraes, Celso de Mello e Rosa Weber são os swing votes, isto é, votos que podem ajudar a formar a maioria, sem tendência fixa.
Mas os ministros que hoje fazem a maioria na Segunda Turma, deixando quase sempre em minoria o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, e, em alguns casos, o decano Celso de Mello, raramente têm tido a maioria no plenário.
Nesse caso, vai ser mais difícil para os ministros derrotados decidirem os casos que devem ir para a primeira instância baseados no critério que foi rejeitado pela maioria, como alguns ministros fazem no caso da prisão em segunda instância.
Os quatro que votaram para que a Corte julgue crimes cometidos durante o mandato, independentemente se o delito tem relação com a função parlamentar, foram Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Dos cinco ministros que votaram contra a prisão em segunda instância, apenas a ministra Rosa Weber acata a maioria, mesmo contra sua opinião. O ministro Dias Toffoli também se pauta pelo respeito à maioria, em que ele formava no julgamento de 2016, mas mudou de ideia e hoje propõe que a prisão se dê após a decisão do STJ.
O ministro Gilmar Mendes, que também formou a maioria naquela ocasião, anunciou mudança de posição e vem concedendo habeas corpus, assim como Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Fazem isso porque a decisão foi em caráter liminar, permitindo, mas não obrigando a decretação da prisão.
No caso do fim do foro privilegiado, a decisão é terminativa, e provavelmente as dúvidas que surgirem sobre se o crime foi cometido em razão do cargo deverão ser definidas pelo relator, com recurso nas Turmas.
Outro avanço alcançado ontem impede, pelo menos em parte, a chamada “gangorra processual”, em que o político aguarda até perto da decisão final do STF e renuncia ao mandato, levando seu processo à estaca zero para a primeira instância. Os ministros decidiram que o processo não mudará de instância nos casos envolvendo a fase de intimação para as alegações finais, isto é, após a colheita de provas.
A consequência da decisão do Supremo, a médio prazo, será sua extensão para as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais. Mas a proposta de emenda constitucional que está em tramitação no Congresso é mais radical ainda, acabando com o foro privilegiado para todos, com exceção de presidentes de Poderes: Presidência da República, do Congresso (Câmara e Senado) e do Supremo.
Foi arquitetado como uma reação à decisão do Supremo, e na próxima legislatura deve tornar-se pauta prioritária. Dependendo da nova formação do futuro Congresso, a mudança constitucional pode manter os avanços agora feitos pelo Supremo.
Se, ao contrário, o espírito vigente for o mesmo que hoje impera no Congresso, teremos mais uma crise institucional, com forte reação da opinião pública contra um eventual retrocesso.
Fonte: “O Globo”, 04/05/2018