Na semana passada, participei em Bancoc de um evento global sobre como acelerar a redução da fome e da má nutrição no mundo, promovido pela FAO e pelo IFPRI (International Food Policy Research Institute) —um think tank que conta com 570 pesquisadores atuando em cerca de 60 países.
Aqui vão os pontos que julguei mais importantes para reflexão e debate:
1. Houve progresso na redução da fome, mas ainda temos 820 milhões de pessoas desnutridas no planeta. Felizmente a desnutrição infantil está caindo em quase todo o mundo, com a triste exceção do continente africano.
2. Ao mesmo tempo, já contamos com 2,1 bilhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade no mundo, ante 857 milhões em 1980. A obesidade e as doenças crônicas que a acompanham infelizmente crescem a passos largos no mundo, em adultos e em crianças, principalmente nos países ricos.
3. Em outras palavras, os problemas da fome e da má nutrição estão espalhados pelo planeta. Grosso modo, os mais pobres comem mal porque não têm recursos. Os mais ricos comem mal por não ter tempo e insistir nas escolhas erradas.
4. Estudos mostram que nas últimas quatro décadas o preço dos carboidratos (cereais básicos e açúcar) cresceu menos do que os preços das proteínas (carnes, lácteos, ovos e leguminosas), das frutas e dos vegetais. O menor custo relativo dos carboidratos é uma das razões que dificultam a troca de dietas ricas em energia por dietas ricas em proteínas e fibras.
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Além disso, a baixa produtividade, combinada com proteções de fronteira, torna as proteínas animais ainda mais caras em muitos países. Por exemplo, o frango e a carne bovina são 35% a 55% mais caros para os consumidores da China e da Indonésia em relação ao Brasil.
5. Outro fator que dificulta o consumo de proteínas animais, frutas e vegetais nos países em desenvolvimento é a sua perecibilidade, que demanda refrigeração, leia-se, energia elétrica. Somente 33% dos lares têm geladeiras na Indonésia. Na Índia, são 24%. Sem uma cadeia fria eficiente e estável, é difícil o varejo moderno e os produtos perecíveis prosperarem.
6. Por isso, muitas indústrias alimentares lucram vendendo comidas não perecíveis, excessivamente energéticas, de baixo custo e facilmente acessíveis.
É calamitoso ver como tem crescido o consumo de refrigerantes gasosos, salgadinhos (snacks), bolachas e outros produtos menos saudáveis nas populações mais pobres dos países em desenvolvimento.
7. Nas áreas urbanas, a comida mais barata, acessível e conveniente tende hoje a ser a menos saudável, principalmente em ambientes com pouca diversidade e qualidade de dietas. Vale lembrar que, em 2050, dois terços da população mundial vão viver em cidades, ante 54% hoje.
Infelizmente a notícia positiva da redução da fome tem sido sombreada pelos problemas crônicos oriundos da má nutrição e da obesidade.
Nesse sentido, é fundamental melhorar o diálogo entre os agentes do sistema agroalimentar e a comunidade engajada em nutrição e saúde. Pouquíssimas empresas participaram do evento FAO-IFPRI na Tailândia e algumas me disseram que o diálogo tem sido pobre e conflitivo. Em outras áreas do agronegócio, como sustentabilidade, mudança do clima e sanidade, temos visto um diálogo mais regular e construtivo.
Saúde e nutrição são a “razão de ser” da agricultura, da indústria de alimentos, dos canais de distribuição e da política alimentar. A projeção que o Brasil alcançou em vários produtos do agronegócio nos obriga a participar desse oportuno e caloroso debate mundial.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 08/12/2018