O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem da minha admiração; intelectual de distinta formação, honrou o alto posto da República, conduzindo o país no processo de consolidação do Plano Real. Indubitavelmente, sua trajetória política pertence a páginas de relevo da história brasileira, embora sua visão de mundo pareça estar desconectada da realidade presente. Aliás, o desempenho pífio de seu partido no pleito presidencial é um claro indicativo de que muitas de suas ideias perderam atualidade e poder de persuasão. A crueza dos fatos confronta a sofisticação teórica.
Mais uma vez, o PSDB ficou pelo caminho; tinha o maior tempo de rádio e televisão, contando ainda com generoso financiamento eleitoral. Para a surpresa de muitos, simplesmente não saiu do chão. Diante disso, o mínimo que se esperava era algum tipo de autocrítica. Mas não. Após o resultado do primeiro turno, FHC usou as redes sociais para dizer que “nem o PT nem Bolsonaro explicitaram compromisso com o que creio”, destacando que não concorda com “o reacionarismo cultural e o descompromisso institucional de uns vitoriosos e tampouco com a corrupção sistêmica e com o apoio ao arbítrio na Venezuela e em outros países”. Ou seja, criticou todo mundo e não apoiou ninguém, escolhendo, mais uma vez, a si próprio.
Ora, talvez a elevação da sociologia francesa não compreenda o pragmatismo da Escola de Chicago, conseguindo apenas tachar seus adeptos de “reacionários”. O mais impressionante, todavia, é que muitas mães e pais de família, jovens, adultos e idosos também foram colocados no mesmo saco; tratados como despidos de razão suficiente e incapazes de realizar isentos julgamentos críticos. Sim, com a timidez habitual, também sobrou uma alfinetadinha no PT. Por certo, “revolucionários” de camisas vermelhas estão mais perto da social-democracia fernandiana.
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Se o ex-presidente não gostou das opções do segundo turno, deveria ao menos fazer um mea culpa. Afinal, mesmo após os escândalos do mensalão e do petrolão, sua linha ideológica conseguiu a proeza de não vencer eleições. Três altos expoentes tucanos foram derrotados pelo lulopetismo e a turma ainda pensa que pode sair por aí decantando teorias políticas. Em tempo, se existe extremismo atualmente, é porque o PSDB implodiu com a atração e credibilidade do discurso moderado, exaltando campanhas apáticas, mornas e incapazes de engajar a classe média brasileira. Apesar disso, é preferível criticar os outros do que analisar erros clamorosos.
Chega. As pessoas estão cansadas de serem enganadas. Não suportam mais uma política corrupta que, entre amigos, afunda o Brasil. A hora exige mudança. Os tucanos tiveram todas as oportunidades para vencer eleições e reiteradamente fracassaram. E o fracasso político-sucessório de FHC tem consequências diretas no atual quadro político brasileiro. Então, em vez de só responsabilizar terceiros, talvez fosse mais saudável bater no peito, assumir posições e dizer claramente quem goza de seu apoio no segundo turno.
O momento é de escolhas e decisão, não havendo espaço para tibiezas retóricas. Se há dúvidas, o silêncio é um conselheiro fiel. Afinal, palavras ao vento voam longe, mas não chegam a lugar nenhum. Entre vírgulas presidenciais, um melancólico fim político para um grande homem de Estado. No crepúsculo de uns, a oportunidade para outros. Que o futuro nos reserve um Brasil melhor!
Fonte: “Gazeta do Povo”, 15/10/2018