É difícil falar sobre isso e pode soar como o apedrejamento da Geni, mas o meu relato sobre o porquê de a Abril se encontrar na situação de recuperação judicial se resume ao que eu observei quando lá trabalhava. Antes de contar o meu causo aqui, que pode servir como figurativo para talvez um dos motivos para o prejuízo anual sucessivo da editora, quero antes relatar a honra que senti quando contratado pela Exame.com em 2010. Era o objetivo da minha carreira. Ainda jovem, a meu ver com 26 anos, chegar ali foi um êxtase e eu curti cada dia ao máximo. Todos os colegas ali eram incríveis e admiráveis. Do estagiário até as diretoras do site e revista.
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Mas tinha uma coisa que me incomodava na Abril. Uma boa parte das pessoas, não sei estimar um percentual, pareciam simplesmente não respeitar estar ali. Eu pensava: “Como? Olhem os benefícios, esse prédio, essa história!”. Por qual motivo achava isso? Oras, nunca fui o melhor jornalista e não posso julgar as pessoas pela competência, mas uma parte das iniciativas editoriais da Abril não pareciam fazer sentido. Muitas revistas para nichos específicos demais em um momento que o digital era escancarado o caminho. Poxa, já era 2010!
Lembro da passagem de um gestor que investia na Petrobras, era o maior estrangeiro na estatal, e quando entrou no prédio para ser entrevistado por mim se impressionou com o tamanho do prédio e pelo fato de ele ser de uma editora. Ele olhou para um mural que saltava aos olhos no saguão com sei lá quantas 30 ou mais revistas que existiam à época.
A minha crítica não é aos jornalistas, cada um que fez o seu trabalho, mas ao que parecia um sentimento geral de que a Abril tinha muito dinheiro e que não importava gastá-lo. Um sentimento de que o orçamento era infinito e que era sintetizado em um funcionário que ia de chinelos ao trabalho e eu com frequência encontrava em um dos quatro elevadores.
Pode ser até uma observação careta, mas parecia um desrespeito. Um ultraje ao meu sonho de estar ali. Foi esta cena que veio à minha cabeça quando li sobre a Recuperação Judicial da Abril. Agora Inês é morta? Tomara que não. A imprensa brasileira não merece chinelos.
Fonte: “Money Times”, 26/08/2018