O gás natural será a energia da transição energética. O gás natural terá seu preço decrescente em razão do grande crescimento da oferta. O gás natural será o último fóssil a ter posição preponderante na matriz energética. O shale gas transformou os EUA no maior produtor de gás natural. A Argentina poderá voltar a ser uma grande produtora de gás natural com a descoberta do Campo de Vaca Muerta. Com o gás natural do pré-sal o Brasil deixará de ser importador nos próximo sete anos.
Tanto em nível mundial como local, o gás natural está na moda. Em alguns países, como nos EUA, o gás é uma realidade. No primeiro ciclo da transição energética, substituiu o carvão nas térmicas, trouxe de volta a competitividade das petroquímicas no solo americano e, agora, está substituindo o diesel em caminhões, navios e locomotivas. A penetração do gás na matriz americana foi rápida por causa da existência de grande infraestrutura de gasodutos, Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) e armazenamento. Além disso o shale gas, como é produzido onshore, tem custo muito baixo, o que ocasionou um choque de preços.
No Brasil, diante do crescimento da oferta de gás natural – tanto o importado, em particular o GNL, como o nacional vindo do pré-sal –, o governo vem tentando promover políticas que incentivem uma maior participação dessa fonte na matriz energética. Tivemos o programa Gás para Crescer, no governo Temer, e agora, no governo Bolsonaro, o Novo Mercado de Gás. Tivemos, ainda, algumas medidas infralegais: o Decreto 9.616 no governo Temer e, no governo Bolsonaro, a Resolução CNPE 16, o Termo de Compromisso de Cessação entre o Cade e a Petrobrás e o Decreto 9.934.
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Todas essas medidas trazem propostas de mudanças comportamentais, por meio de novas regulações, bem como a venda de empresas pela Petrobrás. As medidas comportamentais, sem dúvida, são as mais difíceis de serem implantadas. Mas com certeza serão as que possibilitarão a concorrência e, consequentemente, preços mais baixos do gás natural no Brasil.
Nesse sentido, a proposta de dar acesso a infraestruturas como gasodutos de escoamento, transporte e UPGNs é bem-vinda para promover a concorrência. Afinal, a concorrência existe na produção de gás, já que transporte e distribuição são monopólios naturais. Além do mais, o principal responsável pelo fato de o gás no Brasil ser caro é o preço da molécula, e não as tarifas reguladas de transporte e distribuição. Daí ser fundamental promover a diversidade de fornecedores com o objetivo de reduzir o preço da molécula de gás natural.
O grande obstáculo para construir um mercado de gás garantindo preços mais competitivos é a falta de infraestrutura no Brasil. Caso não se ampliem as infraestruturas de gasodutos e de UPGNs, grande parte do gás do pré-sal será reinjetada. Com isso não teremos choque de oferta, tampouco de preços.
E como viabilizar novas infraestruturas de gás natural? Assim como nos primeiros ciclos tarifários do setor de energia elétrica, é necessário que no transporte e na distribuição de gás o foco seja a rentabilidade dos investimentos, incentivando sua expansão, e não a modicidade tarifária, que virá, como também ocorreu no setor elétrico, nos ciclos posteriores. Aliado a isso, viabilizar a “bancabilidade” e a atração de capital de risco para os investimentos no desenvolvimento da infraestrutura do setor. Para isso será preciso criar mecanismos de garantia que permitam à iniciativa privada executar esses investimentos.
Há vários exemplos pelo mundo, e um dos mais interessantes são os Master Limited Partnerships (MPLs) usados nos EUA. Sua primeira emissão no mercado americano foi em 1981. Esse modelo de financiamento é caracterizado pela criação de uma sociedade limitada com isenção de Imposto de Renda. Nos EUA já existem 87 empresas que são a principal fonte de financiamento da malha de transporte do shale gas. O modelo da Receita Anual Permitida (RAP), amplamente utilizado no setor elétrico, poderia, junto com os MPLs, viabilizar a expansão da infraestrutura. Esta é a discussão para construir o novo mercado de gás. O resto é populismo e oportunismo político.
Fonte: “Estadão”, 05/10/2019