A hipertrofia do Supremo Tribunal Federal é resultado direto da atrofia dos poderes políticos genuínos da República. Objetivamente, a incapacidade de mediar as pulsões da complexa sociedade contemporânea vem forçando uma progressiva litigiosidade social. O fenômeno é revelador, impondo ao Poder Judiciário a alta responsabilidade de levar equilíbrio, justiça e sobriedade a um país corroído pelo fel da desonestidade e seus efeitos deletérios sobre o ideal da democracia.
Nesse contexto, não é de estranhar a comoção pública que gira em torno do julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula. Após ser condenado em primeira e segunda instância, houve a tentativa do remédio heroico junto ao STJ que entendeu, à luz da legalidade positiva, denegar o pedido. Diante dos sucessivos insucessos, o acesso ao egrégio STF surgiu como última via.
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Ora, é sabido e ressabido que o Supremo, em outubro de 2016, consolidou o entendimento sobre possibilidade do início de cumprimento da pena após o julgamento nas Cortes de 2º grau. Para os casos de excesso ou abuso punitivo, restou assegurado, nos termos da lei processual, a busca de efeito suspensivo junto aos tribunais superiores. Tal linha decisória pondera com razoabilidade o dever de combate ao crime com a proteção da liberdade individual, inexistindo motivos superiores para eventual revisão da interpretação constitucional em vigor. Mas, e se mudar?
Bem, o Supremo necessariamente haverá de arcar com as consequências do seu ato. Ao comentar as decisões constitucionais por um voto, o bom e velho João Mangabeira defendia que, nos casos de grave convulsão nacional, a Corte deveria se pronunciar por “uma maioria respeitável” e, não, “ao palpite de uma vontade”. No todo, é impossível prever o resultado. Os grandes julgamentos se resolvem, não raro, à luz de circunstâncias imponderáveis. Logicamente, existe no Brasil um clamor por decência e justiça. Que o Supremo, então, cumpra com seu dever. E cumprir o dever de bem julgar – com consciência, caráter e espírito público – é a maior glória que um magistrado é capaz de alcançar.
Fonte: “Zero Hora”, 03/04/2018