O Bloco da Patrulha chegou ao Carnaval, símbolo maior de nossa cultura, e decretou que é do mal quem se fantasiar de índio, quem representar alguma das chamadas “minorias” ou grupos étnicos e mesmo homens que se vestirem de mulher.
Dizem que é ofensivo, ultrajante. “Ora, vão obrar no mato”, dirá o liberal, enquanto procura aquela velha fantasia que fazia sucesso nos anos 1980.
Essa histeria que sufoca a liberdade de expressão tem origem na esquerda marxista e em seu neocoletivismo, que transferiu a luta de classes para as “questões de gênero”, repaginando opressores e oprimidos, após relutantemente acatar a cooperação entre patrões e empregados que antes criticavam.
Isso bagunça a vida do transgênero de direita, do negro que prefere Luís Gama a Zumbi, da mulher que não aprecia o feminismo atual e de incontáveis indivíduos únicos em personalidade. São pessoas que, em tese, seriam defendidas pelos coletivos, mas, por pensar diferente do que os outros gostariam, sofrem duplo preconceito.
A lei não escrita da Patrulha, que afronta a liberdade de expressão garantida pelo inciso IX do artigo 5º da Constituição, decreta que não se pode manifestar livremente sobre temas que tocam as minorias, sob pena do “cancelamento”, em si uma apropriação cultural importada dos americanos. Piadas têm sido stalinizadas, músicas, arquivadas, obras, apedrejadas, e agora a roupa que as pessoas usam… A esquerda de 2020, quem diria, virou careta.
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Um amigo achegado à lógica ponderou: “Se não é permitido se vestir de índio porque é uma ofensa ao índio, então sair de soldado nazista seria uma forma de expressar rechaço ao nazismo…”. Recebeu do SAC da Patrulha a resposta: “Ah, não. Aí não pode porque é apologia”.
Parafraseando o bordão dos socialistas, “o cancelamento é invenção da hipocrisia para vender caretice ao fantasiado”.
E como fica quem deseja apreciar culturamente o índio, a boa e velha nega maluca, o árabe? Como fica quem quer estigmatizar Hitler por meio de uma fantasia? Não pode, não cabe diversidade de visão no mundo utópico da Patrulha, que detesta a liberdade, até no Carnaval.
É sempre pertinente lembrar: o limite à liberdade da expressão é a incitação de violência que represente ameaça clara e manifesta à integridade física do próximo. Todo o resto pode ser considerado grosseiro, ultrajante, ofensivo, mas deve ser tolerado, ao menos em sociedades civilizadas.
Lembro-me da minha adolescência regada às hilárias piadas com “temas proibidos” da revista Mad, de O Planeta Diário e da Casseta Popular. Hoje, Bussunda e a turma seriam “cancelados” pela esquerda. Logo eles que destroçavam a direita em sua arte. O pessoal do Pasquim, então…
Os que criticam Alessandra Negrini —ficou linda de índia!— e espalham cartazes autoritários proibindo fantasias são os mesmos que censuram Monteiro Lobato.
Repare na ironia: a esquerda politicamente correta berra quando uma reforma no Planalto troca livros de lugar, mas quer apagar Monteiro Lobato, um dos maiores incentivadores do hábito da leitura no Brasil. Os arautos da diversidade querem matar a Tia Nastácia!
Há também a patrulha da direita. A versão com sinal contrário comporta-se como o sombrio Alvim, que sonhou em delírio direcionar a cultura brasileira segundo parâmetros estabelecidos por sua “mente privilegiada”. Ou como a autoridade local que quis limpar as escolas de certos livros. Os patrulheiros de direita não estão preocupados com fantasias de Carnaval, mas com livros ou críticas que não podem ser tolerados.
Fiscais de opinião, fiscais de fantasias. O autoritarismo é ambidestro.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 19/2/2020