A vitória de Bolsonaro é, ao mesmo tempo, a derrota do PT. Pela primeira vez em 20 anos, o partido sai em segundo lugar das urnas na eleição presidencial.
Poderá dizer que a vantagem de Bolsonaro foi menor do que se desenhava depois da vitória no primeiro turno. Poderá reivindicar a maior bancada da Câmara, governos estaduais relevantes e presença predominante no Nordeste. Poderá se considerar a maior força de oposição ao novo governo. Poderá se proclamar, enfim, o partido com mais simpatizantes, maior capilaridade na sociedade e alta capacidade de mobilização.
Mas nenhuma atenuante transformará a derrota em vitória. E o PT perdeu.
Os motivos são conhecidos. Em resumo, o partido despencou na confiança do eleitor por ter sido protagonista dos maiores escândalos de corrupção na história e por ter, sobretudo no governo Dilma Rousseff, adotado uma política econômica desastrosa, que resultou na maior recessão desde pelo menos os anos 1980.
Diante da incapacidade de lidar com tal legado, preferiu atender os desígnios do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso por corrupção em Curitiba, a adotar uma atitude madura que o levasse à renovação. Não houve uma tentativa consistente de reparar os erros. Nem um mísero e sincero pedido de desculpas. Em seu discurso depois da derrota, Fernando Haddad nem sequer deu o parabéns protocolar a Bolsonaro.
Em vez disso, ouviram-se na plateia gritos de guerra com loas a Lula. Petistas e seus aliados aderiram com devoção à narrativa rocambolesca que considera o impeachment de Dilma um “golpe” e afirma que a Operação Lava Jato foi desvirtuada para perseguir Lula e o partido, com cumplicidade da imprensa, do Ministério Público e da Justiça Federal.
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Desde o início, Lula insistiu em manter sua candidatura, ainda que soubesse que ela seria vedada pela lei. O objetivo era evitar que qualquer outro nome fora ele próprio emergisse, na preferência dos eleitores, com cacife para enfrentar Bolsonaro no segundo turno.
Dada a alta rejeição a Bolsonaro, é provável que Lula apostasse em vitória, qualquer que fosse o candidato petista que indicasse para substituí-lo. Ou que, na hipótese de derrota, seu partido sairia fortalecido na oposição. Para isso, desdenhou uma aliança com Ciro Gomes, candidato que sempre mais chance do que Fernando Haddad num confronto direto contra Bolsonaro.
No embate do segundo turno, o PT colheu o fruto não apenas dessa decisão, mas das décadas de aposta no discurso divisivo, separando o Brasil em pobres contra ricos, povo contra elite, “nós” contra “eles”. Haddad conclamou as “forças democráticas” a unir-se em torno de sua candidatura contra Bolsonaro, a quem atribui o risco de uma ruptura no regime democrático. Diante da empáfia petista, nomes como Ciro ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se recusaram a ouvir o apelo.
Em Bolsonaro, o PT encontrou um adversário capaz de usar o mesmo tipo de discurso divisivo para mobilizar a população em torno de causas em tudo antagônicas ao ideário petista que prevaleceu no Brasil nos últimos anos.
Pela primeira vez desde a redemocratização, um candidato nitidamente de direita conquista a preferência de mais da metade da população. Foi uma vitória limpa, justa, por uma margem ampla o bastante para afastar qualquer fantasma sobre a interferência de notícias falsas ou uso ilegal de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.
Bolsonaro reunirá em seu governo ingredientes de conservadorismo religioso, nacionalismo militar e liberalismo econômico. Seus desafios mais imediatos serão conciliar as diferentes prioridades dos grupos que o apoiaram e conquistar apoio no Congresso para projetos urgentes, como a reforma da Previdência.
Depois da vitória, Bolsonaro fez um discurso procurando unificar o país. “Vamos pacificar o Brasil e, sob a Constituição e as leis, vamos fazer uma grande nação”, afirmou. Apesar de declarações desse teor, é evidente que a oposição em torno do PT fará o possível para obstruir suas iniciativas e insistirá em qualificá-lo como inimigo da democracia.
O passado de Bolsonaro em defesa da ditadura militar, seus ataques e ameaças à imprensa, suas posições favoráveis à tortura e contra os direitos humanos são ingredientes ideais para fomentar uma reação raivosa. Diminuir a polarização que tomou conta do país e da campanha eleitoral dependerá de quanto, no poder, saberá cumprir o que disse no discurso de vitória.
Num cenário pessimista, não estamos blindados contra novos episódios de violência, como o atentado que vitimou o próprio Bolsonaro na campanha. Uma resposta errada do governo em momentos de tensão poderia pôr o país numa trajetória de retrocesso democrático.
Para evitar o pior, o Brasil precisará de outro tipo de oposição. Formada por políticos capazes de apoiar os projetos do governo necessários e urgentes, como as reformas econômicas, mas alertas para toda sorte de ameaça institucional ou risco à democracia.
Não dá para a oposição brasileira ser liderada por um partido cuja maior liderança cumpre pena por corrupção numa penitenciária de Curitiba, cuja cúpula nega a própria responsabilidade pelo naufrágio econômico dos últimos anos, cuja ideologia o impede de criticar as ditaduras em Cuba ou na Venezuela.
O Brasil precisará de oposição para se proteger dos riscos. Mas, para exercer seu papel a contento, ela precisará estar livre do estigma petista, como já parecem ter compreendido tanto Ciro quanto FHC. Mesmo que o PT tenha resistido vivo, a vitória de Bolsonaro abre uma oportunidade aos demais opositores. Será essencial, para o futuro da nossa democracia, que saibam aproveitá-la.
Fonte: “G1”